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Não pensa nisto, Jorge. Pensa nas coisas boas da vida.
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Estas dores no estômago. Para mim isto é câncer. O médico diz
que não, mas acho que ele está me enganando. Para mim é câncer,
Zilda.
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Não pensa nisto, Jorge. Pensa nos momentos que vivemos juntos.
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Eu sei que é câncer, Zilda. Já vi muita gente morrer dessa doença.
É uma morte horrível, Zilda. A gente vai se consumindo aos poucos.
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Não pensa nisto, Jorge. Pensa no teu trabalho. Pensa nos teus
colegas, no chefe que gosta tanto de ti.
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Primeiro a gente emagrece. Já estou emagrecendo. Perdi cinco quilos
neste ano. Aliás, como passou ligeiro este ano. Como passam ligeiro
os anos. Como passam ligeiro os dias, as horas. Quando a gente
vê, já é noite. Quando a gente vê, terminou o mês. Quando a gente
vê, acabou a vida.
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Não pensa nisto, Jorge. Pensa na tua turma do bolão, gente alegre,
divertida.
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Logo terei de me hospitalizar. E no hospital a gente vai ligeirinho,
Zilda. Acho que é por causa do desamparo. O desamparo é horrível.
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Não pensa nisto, Jorge. Pensa nos teus filhos. Pensa na Rosa Helena,
no Zé. Pensa no Marquinhos.
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Tenho medo de morrer, Zilda. Me envergonho disso, afinal, já vivi
tanto, mas a verdade é que tenho medo de morrer. A morte é o fim,
Zilda. Para mim é o fim. Não acredito na vida após túmulo. Acho
que na tumba acaba tudo. A carne se desprende dos ossos, os cabelos
caem, fica a caveira à mostra. Isto é a morte, Zilda. Isto é que
é a morte.
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Não pensa nisto, Jorge. Pensa na tua horta. Pensa nas galinhas,
Jorge. Pensa numa galinha chocando os ovos, Jorge.
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Uma galinha com câncer, Zilda?
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Por que não, Jorge, por que não.
Caricaturista: Lucas Neuman
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A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di
Gostei de "pensa nas galinhas, Jorge" kkkk
ResponderExcluirMoacir era muito bom. Os infanto juvenis dele estariam na minha estante se eu tivesse crianças e pré adolescentes em casa.
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