Pular para o conteúdo principal

Corporiedade Feminina, Janete Barros


     Ainda assim, mesmo sem atingir a marca de um dia, capaz de delinear o valor de uma única mulher; a sensibilidade me aguça, por tabela.
Cada aperreio, grito de dor e injustiça, nos quatro cantos do mundo... arraiga e aflora .
Bendigo, pelos olhos da minha filha, da pele enrugada e costa arqueada da minha mãe, por todas as primas, sobrinhas, netas que tenho e ainda virão, tias estelares que já se foram (paternas e maternas).
Noras, Irmã sanguínea e irmãs de coração (são tantas), professoras amadas, mestras, doutoras, amigas discentes e docentes, escritoras, pedaleiras, rosas meninas (todo grão de mulher).
Das albinas, negras, índias... do dedo do pé até a raiz do cabelo, em nuances de cores; do preto retinto ao perolado dos fios.
Das usuárias de burcas às carecas abrilhantadas. Com lenços, tiaras, joias, turbantes milenares, penas, adereços diversos.
Mil anos luz de distância percorre os fios arredios dos teus saberes, do eu pensante, do pulsar de cada veia, da dor sangrenta, do coração latente, das sementes, das crias.
No leite que escorre em cada peito que alimenta.


Nas cicatrizes indeléveis e nos dias mais adocicados. Eu vos imploro; sede feliz!
Em batuques, em igrejas e templos de todos credos possíveis, na vivência concreta da palavra divina, em descrença pungente ou na busca eterna de um Deus!
Por Marias de todos os povos e etnias, por Omayra Sánchez, Anitas de todos projetos edificantes, por Verônicas de todos os coletivos freirianos, por Edites de todas as artes, por Célias camponesas, por Mônicas e Magalis, por tantas Raquel's (da política, negritude, didática e letras); por Iaras, mãe das águas e mães terrestres, por Elietes manauaras e cearenses, por livres Reginas; por Gertrudes bonequeiras e letradas, por cada mulher ainda no ventre materno e porquanto, ainda que vão nascer... antepassadas e descendentes da raça humana.
Sem o 8 de março doloroso da origem... sem comemoração específica e sem flores mudas e apáticas.
Dia de mulher é todo dia! E que estejamos prontas para os reparos... sem fim!
Mulheres de todas as repúblicas federativas, de todas as formas governamentais.
Proclamo em um grito unificado, que dia da mulher é todo dia! Sem rufos de tambores... AVANTE!

Comentários

Postar um comentário

comentários ofensivos/ vocabulário de baixo calão/ propagandas não são aprovados.

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di

Mãe É Quem Fica, Bruna Estrela

           Mãe é quem fica. Depois que todos vão. Depois que a luz apaga. Depois que todos dormem. Mãe fica.      Às vezes não fica em presença física. Mas mãe sempre fica. Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver. Uma parte sempre fica.      Fica neles. Se eles comeram. Se dormiram na hora certa. Se brincaram como deveriam. Se a professora da escola é gentil. Se o amiguinho parou de bater. Se o pai lembrou de dar o remédio.      Mãe fica. Fica entalada no escorregador do espaço kids, pra brincar com a cria. Fica espremida no canto da cama de madrugada pra se certificar que a tosse melhorou. Fica com o resto da comida do filho, pra não perder mais tempo cozinhando.      É quando a gente fica que nasce a mãe. Na presença inteira. No olhar atento. Nos braços que embalam. No colo que acolhe.      Mãe é quem fica. Quando o chão some sob os pés. Quando todo mundo vai embora.      Quando as certezas se desfazem. Mãe

Aprenda a Chamar a Polícia, Luis Fernando Veríssimo

          Eu tenho o sono muito leve, e numa noite dessas notei que havia alguém andando sorrateiramente no quintal de casa. Levantei em silêncio e fiquei acompanhando os leves ruídos que vinham lá de fora, até ver uma silhueta passando pela janela do banheiro.                   Como minha casa era muito segura, com  grades nas janelas e trancas internas nas portas, não fiquei muito preocupado, mas era claro que eu não ia deixar um ladrão ali,espiando tranquilamente. Liguei baixinho para a polícia, informei a situação e o meu endereço. Perguntaram- me se o ladrão estava armado ou se já estava no interior da casa.            Esclareci que não e disseram-me que não havia nenhuma viatura por perto para ajudar, mas que iriam mandar alguém assim que fosse possível. Um minuto depois liguei de novo e disse com a voz calma: - Oi, eu liguei há pouco porque tinha alguém no meu quintal. Não precisa mais ter pressa. Eu já matei o ladrão com um tiro da escopeta calibre 12, que tenho guard