Alguns meses depois da renúncia de Jânio Quadros, sai do Brasil aos treze anos, direto para Madri (onde sua mãe inventa de matriculá-la no balé) e, alguns meses depois, para Sevilha. Tem que aturar mais uma vez a educação que as meninas aristocratas (ela é a única plebeia do colégio) recebem na Espanha de Franco. São preparadas para, ao terminar os estudos, casar e obedecer ao marido ou ir para um convento, opção bem ressaltada nas aulas de religião. Segundo as madres, não é para qualquer uma, apenas as que merecem ouvirão o chamado de Cristo.
- Ufa! Ainda bem!
- Quem disse isso?
- Fui eu. É que eu já tenho outros planos.
- Tinha que ser você. Quem você acha que é para ter planos?
- Eu sou a Inez, que a senhora anotou no caderninho outro dia porque não disse "eu acho"antes de responder a uma pergunta.
- Você tem resposta para tudo, não é? Sabe mais do que todo mundo, não é isso?
- Claro que não, ma Mère. Geralmente não estudo e respondo errado. Mas meu pai diz que depois de um "eu acho" vem sempre uma bobagem. Acredito nele, não devia?
- Saia já da sala! Reze um terço na capela, para ver se a Virgem Maria ilumina um pouco essa cabeça de alfinete. Você tem que aprender que, depois de obedecer a suas professoras e seus pais, vai ter de obedecer a seu marido. Isso, claro, se algum rapaz de respeito se interessar por uma moca do seu gabarito.
-Também não tenho planos de me casar um dia,não nasci para obedecer a ninguém.
Na sala ouvem-se risadinhas discretas, o que enfurece a freira
- Vou marcar seu nome no caderninho outra vez.
-Eu ouço e obedeço, ma Mère. Mas, por favor, não esqueça que meu nome é com Z e sem acento.
Cabral, Inez. O Que Vem Ao Caso, Ed.Alfaguara, Rio de Janeiro 2018, pág.40
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