Ficou um ano em Rio Pardo. refez seu guarda-roupa. Comia bem, para esquecer-se da revolução; engordou onze quilos. De Montevidéu encomendou o material fotográfico francês, e trabalhava para quem lhe pagasse. Montou estúdio numa dependência alugada à casa canônica. Muitos notaram que ele percorria todas as tardes o caminho que ligava ao bordel. O vigário indignou-se quando soube desses hábitos de seu inquilino, mandou-o porta afora.
Procurou outro lugar, mas nenhum lhe pareceu bom. Foi a dona Moça quem lhe disse:
- Fosse eu, voltava para Porto Alegre
- Lá não me querem.
Ela então mandou saber algo pela irmã. A informação foi simples: com tantas preocupações políticas e revolucionárias, a cidade havia esquecido Sandro Lanari. Deveria confiar: a mana Antônia era prática nesses assuntos de sociedade e malquerenças.
Assim, em poucos dias ele estava em Porto Alegre, e de novo na Pensão Itália, no mesmo quarto de antes.
O retrato de Paolo Pappalardo retornou à parede, já com três furos de pregos. Sandro não sabia como julgar o pai, que o mirava com uma face dissolvida pelos anos.
Saiu. Andou na rua da Praia pela calçada direita e pela esquerda, fez-se visto, tirou o chapéu às damas, assobiou. Ninguém aparentou reconhecê-lo, exceto Carducci, que o observara com algum significado.
O que seria pesadelo, agora era salvação: poderia começar sua vida, como naquele dia em que chegara a esta cidade. E o que a vida lhe anunciava era seu ofício de fotógrafo.
Vinha o outono, e o ar ganhava a oblíqua cor de mel que tanto encanta os porto-alegrenses. Alongavam-se as sobras das pessoas. Sandro ainda trazia a barba da revolução; apenas a domara, recortando-a em ponta. Assumira o ar de real artista. Parecia mais alto.
Na rua da igreja, parou em frente à casa do advogado. As janelas estavam cerradas, e crescia musgo na soleira da porta. Perpassou-lhe um tremor frio.
Foi no Ao Cornudo Galante que soube da inteira desgraça: como a facção do advogado levara a pior na guerra civil, e ele fora assassinado por um desafeto. A mulher morrera de gripe. O palacete fora confiscado pelo governo para ressarcimento de impostos. Os inimigos entraram e destruíram o que encontraram. Quebraram os móveis. O retrato que Sandro fizera aabou no meio da rua, retalhado a golpes de adaga.
Veio desabafar-se com a Antônia, e suplicou-lhe que indagasse por Violeta. desde a volta, era a primeira vez que lhe pronunciava o nome. Pela perturbação que o atingiu, soube que precisava vê-la.
A Antônia, sem muito trabalho, descobriu que ela vivia na casa de uma tia-avó na Cidade Baixa.
Assis Brasil, Luiz Antonio de. O pintor de retratos,Porto Alegre L&PM, 2002. págs.141-142
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