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Mostrando postagens de outubro, 2016

A Mão, Carlos Drummond de Andrade

Entre o cafezal e o sonho o garoto pinta uma estrela dourada na parede da capela, E nada mais resiste à mão pintora. A mão cresce e pinta o que não é para ser pintado mas sofrido. A mão está sempre compondo módul-murmurando o que escapou à fadiga da Criação e revê ensaios de formas e corrige o oblíquo pelo aéreo e semeia margaridinhas de bem-querer no baú dos vencidos. A mão cresce mais e faz do mundo como-se-repete o mundo que telequeremos. A mão sabe a cor da cor e com ela veste o nu e o invisível. Tudo tem explicação por que tudo tem (nova) cor. Tudo existe por que foi pintado à feição de laranja mágica, não para aplacar a sede dos companheiros, principalmente para aguçá-la até o limite do sentimento da Terra domicílio do homem. Entre o sonho e o cafezal entre guerra e paz entre mártires, ofendidos, músicos, jangadas, pandorgas, entre os roceiros mecanizados de Israel, a memória de Giotto e o aroma primeiro do Brasil entre o amor e o ofício eis que

E Se Hitler Fosse Um Pacato Padre?

              Será que o jovem Marty McFlay ( Michael J Fox) existiria se o pai de Lorraine não tivesse atropelado George?              Será que o Brasil não teria sido colônia portuguesa se Cabral tivesse acertado o caminho para as índias?               E se Hitler  fosse  um pacato padre? Perguntas assim já foram feitas e continuarão a povoar nossas mentes sempre que a gente quiser  "corrigir" algo do presente. É meio infantil, é verdade, mas é humano, também, imaginar que basta mexer no passado, como no filme De Volta Para o Futuro, para o Brasil ter outro colonizador ou evitar o holocausto.  O Livro Secreto, de Grégory Samak traz de forma romanceada um assassinato que aconteceu na Alemanha e que seria a redenção de boa parte da Europa do passado... Uma leitura imperdível.  Mas se você não tem o livro, o mesmo assunto pode ser visto no filme recém lançado no Brasil:   Direção: Oliver Hirschkiegel Elenco: Christian Friedel (Georg Elser)        

Tia Darci Ouve Vozes, Antonio Carlos Viana

           Quando tia Darci voltou a ouvir vozes, eu não era mais tão criança. Ninguém lhe deu atenção. Diziam que era meio pancada só porque era solteirona. Minha mãe dizia que era falta de homem, que, se ela tivesse um ao lado, ia ver coisas bem mais interessantes, não ia ficar prestando atenção em vozes do outro mundo. Mas eu sentia verdade na voz de tia Darci. Quando ela disse que uma nova prova ia começar para a família, todo mundo ficou nervoso, mas preferiu disfarçar, dizendo que espíritos não voltam, se é que há espíritos. Como tia Darci viu que só eu deixava transparecer confiança em suas palavras, se pegou comigo e me chamava sempre que recebia um recado do além. Eu perguntava como era a voz. Ela dizia que não chegava a ser uma voz assim como quando a gente fala. Era uma coisa que se espalhava dentro dela, que ficava azucrinando e só lhe dava descanso quando ela parava tudo o que estivesse fazendo para escutar. Ela vivia fazendo jejuns e tinha certas comidas que não comi

A Hora Íntima, Vinícius de Moraes

Quem pagará o enterro e as flores Se eu me morrer de amores? Quem, dentre amigos, tão amigo Para estar no caixão comigo? Quem, em meio ao funeral Dirá de mim: — Nunca fez mal... Quem, bêbado, chorará em voz alta De não me ter trazido nada? Quem virá despetalar pétalas No meu túmulo de poeta? Quem jogará timidamente Na terra um grão de semente? Quem elevará o olhar covarde Até a estrela da tarde? Quem me dirá palavras mágicas Capazes de empalidecer o mármore? Quem, oculta em véus escuros Se crucificará nos muros? Quem, macerada de desgosto Sorrirá: — Rei morto, rei posto... Quantas, debruçadas sobre o báratro* Sentirão as dores do p

Depoimento Simplório, Marques Rebelo

Eu conto:      Ia prestar o meu exame final de português, quando papai, após me fazer umas tantas e quantas perguntas  sobre a matéria, explodiu num daqueles rompantes que só ele tinha:      - Você não sabe nada, nada, absolutamente nada! Uma vergonha! Não pode fazer exame assim!       Protestei com energia:      - Posso!      - Não pode!      Pensei ganhar a partida:     - Mas o meu professor disse que eu estava preparado.     - Seu professor é uma besta-quadrada!

As Ensinanças da Dúvida, Thiago de Melo

Tive um chão (mas já faz tempo) todo feito de certezas tão duras como lajedos. Agora (o tempo é que fez) tenho um caminho de barro umedecido de dúvidas. Mas nele (devagar vou) me cresce funda a certeza de que vale a pena o amor

Nobel de Literatura de 2016: Bob Dylan

 Hoje não é dia de postagem, mas eu não poderia deixar passar o Prêmio Nobel de Literatura de Bob Dylan. O americano, um exagerado, não contente em ser excelente letrista, ainda toca vários instrumentos, faz poesia (Tarântula) é pintor e ator. Para ilustrar minha postagem, minha filha sugeriu Like a Rolling Stone :   Meu filho sugeriu Mr. Tambourine Man    Para ouvir outras músicas de Bob Dylan clique aqui .  Conheça algumas pinturas de Bob Dylan inspiradas no Brasil

Romaria, Renato Teixeira

É de sonho e de pó O destino de um só Feito eu perdido em pensamentos Sobre o meu cavalo É de laço e de nó De algibeira ou jiló Dessa vida cumprida a sol Sou caipira Pirapora nossa Senhora de Aparecida Ilumina a mina escura E funda o trem da minha vida Sou caipira Pirapora nossa Senhora de Aparecida Ilumina a mina escura E funda o trem da minha vida O meu pai foi peão Minha mãe, solidão Meus irmãos perderam-se na vida A custa de aventuras Descasei, joguei Investi, desisti Se há sorte eu não sei, nunca vi Sou caipira Pirapora nossa Senhora de Aparecida Ilumina a mina escura E funda o trem da minha vida Sou caipira Pirapora nossa Senhora de Aparecida Ilumina a mina escura E funda o trem da minha vida Me disseram, porém, Que eu viesse aqui  Pra pedir de romaria prece, paz nos desaventos como eu não sei rezar Só queria mostrar, meu olhar Meu olhar, meu olhar. Sou caipira, Pirapora...

Calem a Boca Nordestinos, José Barbosa Júnior.

O autor explica que escreveu o texto abaixo, depois que uma jovem fez uma declaração muito infeliz contra os nordestinos no Twitter, onde pedia,raivosa, que os nordestinos (entre outras coisas)  calassem a boca. Vamos à defesa do mineiro José Barbosa Júnior:  Os nordestinos devem ficar quietos! Cale a boca, povo do Nordeste! Que coisas boas vocês têm pra oferecer ao resto do país? Ou vocês pensam que são os bons só porque deram à literatura brasileira nomes como o do alagoano Graciliano Ramos, dos paraibanos José Lins do Rego e Ariano Suassuna, dos pernambucanos João Cabral de Melo Neto e Manuel Bandeira, ou então dos cearenses José de Alencar e a maravilhosa Rachel de Queiroz? Só porque o Maranhão nos deu Gonçalves Dias, Aluisio Azevedo, Arthur Azevedo, Ferreira Gullar, José Louzeiro e Josué Montello, e o Ceará nos presenteou com José de Alencar e Patativa do Assaré e a Bahia em seus encantos nos deu como herança Jorge Amado, vocês pensam que podem tudo? Isso

Papai- e- mamãe, Ivo Korytowski

          Disse que logo descobriu que as mulheres eram diabos disfarçados, sereias traiçoeiras, tentações infernais, peçonhentas no coração e na boca, copuladoras vorazes. (...) Que traíam e levavam a alma do homem ao inferno. Mas nada havia de tão delicioso quanto este inferno. Ana Miranda, Boca do inferno       Imaginem um professor respeitável, espécie de professor Immanuel Rath (o velho professor que se apaixona pela cantora de cabaré, a Marlene Dietrich, no clássico filme Anjo Azul) dos nossos tempos. Doutor em Letras pela Universidade de Vincennes, maior autoridade brasileira em crítica biográfica, a crítica literária que se baseia no estudo da vida do autor, leitor voraz dos clássicos da literatura universal, casado 33 anos com dona Estela (o casal per

Soneto de Michelangelo

Com os belos olhos teus vejo a luz clara que com os meus, cegos, já não posso olhar; com teus pés posso um peso carregar, o que pra mim, manco, é coisa rara. Com tuas asas pra sempre eu voara; com teu engenho ao céu posso chegar; fazes-me empalidecer ou corar, gelado ao sol, na neve, um Saara. O teu querer é só o querer meu, meu sentimento nasce no teu peito, no teu alento a minha voz busquei. Como lua solitária sou eu, que no céu não se pode ver direito a não ser que reflita o astro-rei. Tradução de Jorge Pontual  Fonte: Notaterapia Imagem: Hereisagottic