Uma irmãzinha meiga que nos cubra
a todos com a quentura terna e
gostosa
do seu carinho...
que entorne toda a sua claridade
sobre as nossas tristes cabeças
vergadas
e, como um feitiço forte e
misterioso,
nos afugente as raivas fundas e
dolorosas
de revoltados,
com a sua morna carícia de veludo...
sua enorme mão,
luminosamente branca, consegue-nos
tudo.
E sob o seu feitiço potente,
serenamos.
E pouco a pouco, momento a momento,
Sossegando vamos...
Fechando nossos olhos pacientes de
esperar,
Já podemos vogar no mar
Parado dos nossos sonhos cansados...
E até podemos cantar!
Até podemos cantar o nosso lamento...
De olhos para dentro, para dentro de
nós,
Sentimo-nos novamente humanos,
Somos nós novamente,
E não brutos e cegos animais
aguilhoados...
Sim. Nós cantamos amorosamente
A lua amiga que é nossa irmã.
– Embora nos repitam que não,
nós o sentimos fundo no coração...
(que bem vemos
que no seu largo rosto de leite há
sorrisos brandos de doçura
para nós, seus irmãos...)
só não compreendemos
como é que, sendo tão branca a nossa
irmã,
nos possa ser tão completamente
crista,
se nós somos tão negros, tão negros,
como a noite mais solitária e mais
desoladamente escura...
Se me quiseres conhecer
Se me quiseres conhecer,
Estuda com olhos de bem ver
Esse pedaço de pau preto
Que um desconhecido irmão maconde
De mãos inspiradas
Talhou e trabalhou em terras
distantes lá do norte.
Ah! Essa sou eu:
órbitas vazias no desespero de
possuir a vida
boca rasgada em ferida de angustia,
mãos enorme, espalmadas,
erguendo-se em jeito de quem implora
e ameaça,
corpo tatuado feridas visíveis e
invisíveis
pelos duros chicotes da
escravatura...
torturada e magnífica
altiva e mística,
africa da cabeça aos pés,
– Ah, essa sou eu!
Se quiseres compreender-me
Vem debruçar-te sobre a minha alma de
africa,
Nos gemidos dos negros no cais
Nos batuques frenéticos do muchopes
Na rebeldia dos machanganas
Na estranha melodia se evolando
Duma canção nativa noite dentro
E nada mais me perguntes,
Se é que me queres conhecer...
Que não sou mais que um búzio de
carne
Onde a revolta de africa congelou
Seu grito inchado de esperança.
Nasceu em Catembe, Moçambique, em 1926 e faleceu em
Cascais, Portugal, em 2002. Poeta, jornalista de agências de notícias
internacionais viajou por toda a África durante as lutas pela independência de
vários países. Só publicou tardiamente seu livro de poesias Sangue Negro, em
2001.
Não existe edição brasileira do livro Sangue Negro
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