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A Roça, Manuela Margarido


A noite sangra
no mato,
ferida por uma aguda lança
de cólera.
A madrugada sangra
de outro modo:
é o sino da alvorada
que desperta o terreiro.
E o feito que começa
a destinar as tarefas
para mais um dia de trabalho.

A manhã sangra ainda:
salsas a bananeira
com um machim de prata;

capinas o mato
com um machim de raiva;
abres o coco
com um machim de esperança;
cortas o cacho de andim
corn um machim de certeza.

E à tarde regressas
a senzala;
a noite esculpe
os seus lábios frios
na tua pele
E sonhas na distância
uma vida mais livre,
que o teu gesto
há-de realizar.


 
Maria Manuela Conceição Carvalho Margarido (roça Olímpia, Ilha do Príncipe, 1925 –Lisboa,Março de 2007) foi uma poetisa de São Tomé

 Foi combatente do autoritarismo e desumanidade que a partir da década de 1950 foi imposto à  África, e lutou pela independência do arquipélago. Em 1953, levanta a voz contra o massacre de Batepá, perpetrado pela repressão colonial portuguesa.Denunciou com a sua poesia a repressão colonialista e a miséria em que viviam os trabalhadores do café e do cacau em São Tomé. Estudou ciências religiosas, sociologia, etnologia e cinema na Sorbone de Paris, onde esteve exilada. Foi embaixadora do seu país em Bruxelas e junto de várias organizações internacionais. Em Lisboa, onde viveu, Manuela Margarido  divulgou,juntamente com Alda Espírito Santo, Caetano da Costa Alegre e Francisco José Tenreiro, a poesia de São Tomé e Príncipe. 

Notas da blogueira:
Machim: espécie de faca comprida e larga usada em trabalho agrícola na África e norte do Brasil.
Batepá- massacre de:  em fev. de 1953 o governador da colônia Carlos Gorgulho, alegando conspiração comunista que faria os nativos revoltarem-se para derrubar seu governo e tomarem seu lugar, impôs uma ação de grande violência contra os colonizados que de tão sangrenta ficou conhecida como Massacre de  Batepá.  Anos mais tarde a PIDE, polícia politica de Portugal, negou a existência da revolta nativa alegada pelo governador.

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