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Pausa Lenta, poema de Amanda Gaspar

Antes de tocar a pele,
acende uma ideia dentro,
como se o pensamento
sentisse primeiro
e só depois o corpo
concordasse.

O mar segura a luz
na linha do horizonte,
como quem demora
num segredo.

E ele surge,
solto do abraço das águas,
e tudo muda de tom
sem fazer alarde.

A luz não manda,
não empurra,
não disputa.

Ela vem baixa,
molhada,
misturada de sal e ouro,
e o mundo vai ficando
possível.

O azul não some:
amacia.

O vento não corta:
afaga.

O calor não queima:
aquece.

E o peito,
que às vezes pesa,
ganha espaço,
como quem abre
uma janela
por dentro.

Não se pede prova.
Não se tem pressa.

Numa alquimia quieta:
pensamento vira calma,
calma vira gesto,
gesto vira presença.

O brilho muda de formato.
Uma nova hora.
Um novo tempo.
O seu momento.

Nasce do mar
e, por alguns minutos,
é como se a vida dissesse,
sem falar:

aqui.
agora.
de novo.

Não grita,
não disputa,
não performa.

Apenas revela
o que sempre esteve ali.









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