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Solange, A Namorada, Carlos Drummond de Andrade


     Todas as moças perdiam para Solange. Nenhuma podia competir com ela em matéria de namoro. Os rapazes da cidade só alimentavam uma aspiração: que Solange olhasse para eles. Desdenhavam todas as outras, ainda que fossem lindas, cheias de graça e boas de namorar. Namorar Solange, merecer o favor de seus olhos: que mais desejar na vida?
     A nenhum deles Solange namorava. Era uma torre, um silêncio, um abismo, uma nuvem. Sua família inquietava-se com isto e pedia-lhe que pelo amor de Deus escolhesse um rapaz e namorasse. O vigário exortou-a nesse sentido. O prefeito apelou para os seus bons sentimentos. Ninguém mais casava, a legião de tias era assustadora. Temia-se pela ordem social.

 
     O desaparecimento de Solange até hoje não foi explicado, mas dizem que em carta endereçada à família ela declarou que, para ser a namorada em potencial de todos, não podia ser namorada de um só, mesmo que sucessivamente trocasse de namorado. Estava certa de que exercia uma função de sonho, que a todos beneficiava. Mas se não era assim, e ninguém compreendia sua doação ideal a todos os moços, ela decidira sumir para sempre, e adeus.
     Adeus? Ignora-se para onde foi Solange, mas aí é que se converteu em mito supremo, e nunca mais ninguém namorou na cidade. As moças envelheceram e morreram, a igreja fechou as portas, o comércio definhou e acabou, as casas tombaram em ruínas, tudo lá ficou uma tapera."

 Em: Contos Plausíveis

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