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Mostrando postagens de 2025

Duas Vidas Em Uma - A Névoa,conto de Priscila Aquino

     Aos oitenta e três anos me permito, por vezes, transformar em lágrimas as sombras que acompanham minha trajetória pelos caminhos tortuosos da vida. Meus passos, por vezes lentos, errantes e despretensiosos, transportaram meu corpo e alma por muitos espaços imprevistos e outros tantos necessários. Com o tempo, aprendi a conviver com os fantasmas do meu passado e as lembranças da minha terra natal. Aprendi a entendê-los, a atender suas demandas e urgências. Aprendi que a essa dor dá-se o nome de saudade e que nomeá-la não a torna menos  tangível. A dor da saudade é dor de alma, mas também é dor de carne. É enraizada e ramificada: parte do coração, dói no peito e transborda pelos olhos. É a falta do que não voltará, o pesar pela ausência dos que já se foram, o desconsolo da lembrança de todas as coisas e fatos que me moldaram. A saudade é uma certeza, como se parte de mim estivesse incompleta, aquela parte que relutou para ficar no momento da despedida.  Minha...

Peixe Na Água, Mario Vargas Llosa ( Primeira página)

           1 - Aquele Senhor Que Era Meu Pai             Minha mãe me segurou pelo braço e me levou para fora utilizando a saída de serviço da prefeitura. Fomos andando até o cais Eguiguren. Estávamos nos últimos dias de 1946 ou nos primeiros de 1947, pois já prestármos exames no Salesiano, eu já concluíra a quinta serie do primário e já chegara o verão de Piura, de luz branca e esfixiante calor.      - Você sabia, claro - disse minha mãe sem que sua voz tremesse. - Não é mesmo?      - O quê?      - Que seu pai não morreu. Não é mesmo?      - Claro. Claro.      Mas não sabia, não desconfiava minimamente, e foi como se de repente o mundo se paralisasse para mim. Meu pai, vivo? E onde ele estava durante todo o tempo em que pensei que estava morto? Era uma longa história que até aquele dia - o mais importante de todos os que já vivera e talvez dos que ...

Mario Vargas Llosa, o Nobel peruano se foi.

  Mario Vargas Llosa Arequipa (Peru) 1936 - Lima (Peru) 2025 Premio Nobel de Literatura de 2010. Escritor, jornalista, professor, ensaista, foi um dos mais importantes escritores da América Latina e, para alguns críticos, o que teve maior impacto internacional e audiência mundial. Obras: Os Chefes   (1959) Batismo de Fogo  (BR) /  A Cidade e os Cães (PT) ("La ciudad y los perros") (1963) A Casa Verde(1966) (Prêmio Rómulo Gallegos) Os Filhotes   (1967) Conversa na catedral   (Brasil) /   Conversa n'A Catedral   (Portugal) (1969) Pantaleão e as visitadoras   (1973) Tia Júlia e o Escrevinhador (BR)  / A Tia Júlia e o Escrevedo  (PT)   (1977) a Guerra do Fim do Mundo  (1981) Historia de Mayta   (1984) Quem matou Palomino Molero?   (1986) O falador   (1987) Elogio da madrasta   (1988) Lituma nos Andes   (1993). Prêmio Planeta Os cadernos de Dom Rigoberto   (1997 A Festa do Bode(BR)  /A Fe...

Releitura de Cálice ( Chico Buarque e Milton Nascimento) por Criolo

Como ir pro trabalho sem levar um tiro Voltar pra casa sem levar um tiro Se as três da matina tem alguém que frita E é capaz de tudo pra manter sua brisa Os saraus tiveram que invadir os botecos Pois biblioteca não era lugar de poesia Biblioteca tinha que ter silêncio E uma gente que se acha assim muito sabida Há preconceito com o nordestino Há preconceito com o homem negro Há preconceito com o analfabeto Mas não há preconceito se um dos três for rico, pai A ditadura segue meu amigo Milton A repressão segue meu amigo Chico Me chamam Criolo e o meu berço é o rap Mas não existe fronteira pra minha poesia, pai Afasta de mim a biqueira, pai Afasta de mim as biate, pai Afasta de mim a coqueine, pai Pois na quebrada escorre sangue, pai Pai Afasta de mim a biqueira, pai Afasta de mim as biate, pai Afasta de mim a coqueine, pai Pois na quebrada escorre sangue Ouça/Veja aqui   

Vamos Pensar? Chutar o balde, Martha Medeiros

  "Como Ser Legal" é o nome do livro que o escritor inglês Nick Hornby lançou este ano. Conta a história de um cara que era um chato e que, quando percebe que seu casamento está indo para as cucuias, resolve se transformar num benfeitor, num boa praça: e se torna mais chato ainda.      Todo mundo quer ser legal, e todo mundo se ferra na empreitada. É difícil ser legal o tempo inteiro. A gente consegue ser legal a maior parte do tempo, mas aí faz uma besteira e pronto: tudo o que você fez de bom é imediatamente esquecido e você se torna apenas aquele que fez a grande besteira. Aí você precisa de mais uns dois meses sendo exclusivamente legal para todo mundo esquecer da besteira. E quando eles esquecem, você faz outra, claro.      Mas você é legal. Você é simpático com os amigos, dá sempre uma força quando eles precisam. Você puxa papo com o garçom, abre a porta do elevador para sua vizinha entrar, você acaricia a cabeça das criancinhas, você é fiel à su...

Assim Começa o Livro Que Comecei: Kim Jiyoung, Nascida em 1982. Cho Nam-Joo

Outono 2015      Kim Jiyoung tem trinta e três anos, ou trinta e quatro na idade coreana. Ela se casou há três e teve uma filha em 2014. Vive em um pequeno apartamento alugado nos arredores de Seul com o marido, Jung Daehyun, trinta e seis anos, e a filha Jung Jiwon. Daehyun trabalha em uma empresa de TI de médio porte e Jiyoung saiu de uma pequena agência de marketing algumas semanas antes do parto. Daehyun chega em casa por volta de meia- noite e vai ao escritório pelo menos uma vez durante os fins de semana. Os pais dele vivem em Busan. Já os pais dela têm um restaurante, então Jiyoung cuida da filha sozinha. Assim que completou um ano, no verão. Jiwon começou a frequentar a creche em meio período. Ela passa as manhãs em um partamento convertido em creche, no térreo do prédio onde mora.      O comportamento incomum de Jiyoung foi percebido pela primeira vez no dia 8 de setembro. Daehyun sabe a data exata porque era manhã de baengno ("orvalho branco"), a...

Cozinheiras e Deuses da Cozinha (título provisório) Crônica do Prof. Rui Vieira Nery

     Antigamente as cozinheiras dos bons restaurantes portugueses eram umas Senhoras rechonchudas e coradas, em geral já de idade respeitável, com nomes bem portugueses ainda a cheirar a aldeia – a D. Adosinda, a D. Felismina, a D. Gertrudes – e por vezes com uma sombra de buço que parecia fazer parte dos atributos da senioridade na profissão.      Tinham começado por baixo e aprendido o ofício lentamente, espreitando por cima do ombro dos mais velhos. E tinham apurado a mão ao longo dos anos, para saberem gerir cada vez com mais mestria a arte do tempero, a ciência dos tempos de cozedura, os mistérios da regulação do lume. A escolha dos ingredientes baseava-se numa sabedoria antiga, de experiência feita, que determinava o que “pertencia” a cada prato, o que “ia” com quê, os sabores que “ligavam” ou não entre si.      Traziam para a mesa verdadeiras obras de arte de culinária portuguesa, com um brio que disfarçavam com a falsa modéstia dos di...

Poemas da M.P.B: Paz e Amor, Kleiton e Kledir

Ah, eu continuo o mesmo sonhador Que ainda acredita em paz e amor E o meu sonho vai virar realidade Depois que enfim passar a tempestade E essa loucura toda terminar É a gente errou e entrou na contramão E desinventou a civilização Ah, onde foi que a gente se perdeu? Não sei dizer o que aconteceu Só sei que dá pra achar a solução Encontrar a luz no frio da escuridão E acender a vela, o fogo da paixão Falo de amor, de solidariedade Nós somos feitos de felicidade Então é só abrir o coração E no fim das contas o que vai sobrar É o velho sonho pra recomeçar Falo de esperança, de fraternidade De compaixão, de fé e amizade É só assim que o mundo vai mudar Ah, eu continuo o mesmo sonhador Que ainda acredita em paz e amor Encontrar a luz no frio da escuridão E acender a vela, o fogo da paixão Falo de um mundo inteiro sem fronteiras Sem muros, sem divisas, sem barreiras Em que as pessoas possam se abraçar Falo de respeito à diversidade De cor, de gênero, da liberdade De amar alguém do jeito que...

Vamos Pensar? (24) Amanhã

 

Passo, poema de Marcelo Valença

Um passo de pedra Um pé de assoalho Cansaço de asfalto Piso e desfaço Um traço de luz Um risco de som Espaço de tempo Pausa e compasso Um pedaço de ar Um gelo de céu Resquício de agosto Garoa e mormaço Leia mais do autor: Azuis Hora Bolas Sê Rocha Lugar Algum Bastidora Encanto

O Amigo Xanha, crônica de José Paulo Cavalcanti Filho

Lisboa. Mais um se foi, Alberto Vinicius Melo do Nascimento (Xanha), em 11 de dezembro do ano passado. O enorme poeta Marcelo Mário Melo recomenda (no Manifesto da esquerda vicejante ) que “devemos lembrar nossos mortos, não pelas chagas de seus martírios, mas por seus jeitos de rir”. Assim seja. E conto agora uma história que fala nesse que partiu. Tem sua graça e vai estar no meu próximo livro ( Conversas de ½ Minuto ). Vamos a ela.      Na Ditadura 18 estudantes, que lutavam, ficaram presos e em greve de fome. Já 11 dias foram concluídos. Por cautela foram trazidos para o quartel da PM, no Derby, onde havia um hospital militar. Os médicos informaram que, até 12 dias, não haveria problemas para a saúde. Entre 12 e 18, provavelmente. A partir daí, com certeza. Era preciso encerrar a greve, na proteção dos próprios presos.      Fomos negociar com eles. Airton Soares, velho amigo e líder do PT na Câmara dos Deputados (pouco depois, ele e Beth Mendes foram e...

Construção, poema de Mauro Mota

"Orgulho-me do meu curso de indigência." (De uma carta do poeta José Maria Cerqueira) Vem vindo José Maria, vem de São Bento do Una, vestido de roupa cáqui e de botinas reiúnas. No conselho da família, só encontra hierarquia do avô cabo de polícia. O pai na barbearia do povoado trabalha, mal completa o pagamento da prestação da navalha. Vem vindo José Maria, o amarelinho de São Bento do Una, sem genealogia. Vem montado no jumento. Saiu da escola. ( Não tinha nem livros nem fardamento. Aprendeu a ler sozinho.) Oh, que infância sem infância. essa de José Maria! Entrava na terra o casco do seu cavalo de pau, que o cabo da enxada era a escoiceante montaria. tirava leite das vacas, mas o leite não bebia. Os animais da fazenda, com que doçura tangia! Carregava areia e lenha com o gosto do engenheiro que uma obra construía. Foi bicheiro e negociante de passarinhos na feira. Vendeu frutas e roletas nas festas da Padroeira. Lavou frascos de botica, lavou os pratos do hotel, fez os ser...

Vamos Pensar? (23)

 

O Ex-futuro Padre e Sua Pré-viúva, conto de Mia Couto

       Era o Benjamim Katikeze. Desde pequeno ele se dedicara a ausências, paralelo ao céu. Os outros brincavam, festejando os ínfimos nadas da infância. Só o Benjamim definhava na catequese, entre santos e incenso. Mesmo os pais, que lhe queria composto e ordeiro, achavam que era por demasia.      - Vai brincar, Ben, Aproveita ser criança. Mas o Benjamim,inaudiente, se desmininava. O corpo mudara, idades além. As noites desfilavam e faziam-se côncavas para proveito de rapazes e raparigas. Só as mãos do mencionado se mantinham juntas, coladas, imaculadas. O Ben seguia mais alto que as almas.      Até que um dia apareceu Anabela, anabelíssima. Era uma rebuçada, capaz de publicar desejos nos mais pacatos olhos. Anabela apaixonou-se por Benjamim. O pobre nem com isso; ao contrário, mais ainda se internava em habilidades de kongolote. A menina enviou bilhetes, mensagens mais suspiradas que biscadas. Na presença dele, Anabela se desembrulhava...

Assim Começa a Leitura de Março no Clube Livro Errante

  E tinha muito mais: atônitos, descobrimos que nos arquivos federais em Berlim está guardado um documento antes secreto, com o título “Guayana-Projekt”, no qual o especialista em Amazônia e Untersturmführer da SS, Schulz-Kampfhenkel, recomenda explicitamente a invasão e a conquista da Guiana Francesa. Para ele, não era aceitável que a Inglaterra tivesse a Guiana, com sua capital Georgetown; que a Holanda fosse dona do Suriname; nem que os franceses possuíssem a Guiana Francesa, com sua capital Caiena, enquanto a Alemanha não tinha nenhuma base naquela região tão estratégica e rica em minerais. “A tomada das Guianas é uma questão de primeira importância por razões político-estratégicas e coloniais”, afirma ele. Em carta ao Reichsführer da SS, Heinrich Himmler, de 26 de abril 1940, Kampfhenkel dá ainda a receita para a fácil conquista daqueles territórios: a aliança com os indígenas e o aproveitamento das boas relações com o Brasil, cujo presidente, Getúlio Vargas, segundo ele, seri...

Faz Anos Navego No Incerto, poema de Caio Fernando Abreu

Faz anos navego o incerto. Não há roteiros nem portos. Os mares são de enganos e o prévio medo dos rochedos nos prende em falsas calmarias. As ilhas no horizonte, miragens verdes. Eu não queria nada além de olhar estrelas como quem nada sabe para trocar palavras, quem sabe um toque com o surdo camarote ao lado mas tenho medo do navio fantasma perdido em pontas sobre o tombadilho dou a face e forma a vultos embaçados. A lua cheia diminui a cada dia. Não há respostas. Queria só um amigo onde pudesse jogar o coração como uma âncora."

Vamos Pensar? (22)

 

A Lágrima De Um Caeté ( fragmento) poema de Nísia Floresta

Era da natureza filho altivo, Tão simples como ela, nela achando Toda a sua riqueza, o seu bem todo… O bravo, o destemido, o grão selvagem, O brasileiro era… – era um Caeté! Era um Caeté, que vagava Na terra que Deus lhe deu, Onde Pátria, esposa e filhos Ele embale defendeu!… É este… pensava ele, O meu rio mais querido; Aqui tenho às margens suas Doces prazeres fruído… Aqui, mais tarde trazendo Na alma triste, acerba dor, Vim chorar as praias minhas Na posse de usurpador! Que de invadi-las Não satisfeito, Vinha nas matas Ferir-me o peito! Ferros nos trouxe, Fogo, trovões, E de cristãos Os corações E sobre nós Tudo lançou! De nossa terra Nos despojou! Tudo roubou-nos, Esse tirano, Que povo diz-se Livre e humano! Nísia Floresta:   (Dionísia Gonçalves Pinto) nascida em 1810, na cidade de Papari, Rio Grande do Norte, que atualmente leva seu nome. Nísia é considerada a primeira feminista brasileira e latino-americana, pois foi precursora em diversos campos ligados à emancipação das mulh...

Francisco, Você é Esquisito - texto de Pe. Enio Marcos de Oliveira

Não parece que é líder de uma religião. Eu rezo por você e lamento por você estar tão doente. Você é tão estranho. Respeita as religiões diferentes, parece até um tal Jesus que dialogava com a Samaritana  e atendeu a um pedido da Cananéia. Você acolhe os homossexuais que são tão perseguidos pela sociedade como eram os epiléticos, os aleijados do tempo de um tal Jesus. Você respeita as mulheres e até as convida para assumirem cargos importantes. Parece um tal Jesus que confiou à Maria Madalena o anúncio da Ressurreição. Você critica a hipocrisia dos religiosos e é tão criticado por isso,  também me lembra um tal Jesus que esculhambou os negociantes do templo e não media palavras para denunciar os doutores da lei. Você enfrenta os opressores, os poderosos como fazia um tal Jesus que chamou Herodes de raposa e não permitiu que César desfigurasse a imagem e semelhança de Deus. Ah! Francisco, como você é esquisito! Faz parecer que Deus se fez humano e que toda teologia é uma antrop...

Meu Nome é Meu, livro de Natascha Duarte.

  Os 18 contos deste livro não têm urgente ligação entre si, embora as personagens contem  histórias em comum. Uns contos falam de amor, outros de não amor, uns são concretos, outros mais absurdos. Aparecem mulheres solitárias, à beira da morte, em ataques de riso; homens arrependidos de rompantes da juventude, homens que se transformam em anjos. A autora posiciona os personagens como se encaixasse a tristeza sem que ela ocupasse um espaço grande demais.   “O conto é uma reserva tímida que se explorada com coragem se transforma em história” .  Natascha Duarte A editora Urutau nasceu para cantar as horas diante das páginas. Nos últimos cinco anos já publicamos mais de mil livros sem qualquer custo para os autores e as autoras. Nosso site é   www.editoraurutau.com.br     Essa pré-venda é de Natascha Duarte para a publicação do livro  " Meu nome é meu" . ____________________________  .   “O conto é uma reserva tímida que se explorada c...