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Incidente em Antares, Érico Veríssimo. Primeiro capítulo

 Afirmam os entendidos que os ossos fósseis recentemente encontrados numa escavação feita em terras do município de Antares, na fronteira do Brasil com a Argentina, pertenciam a gliptodonte, animal antediluviano, que, segundo reconstituições gráficas da paleontologia, era uma espécie de tatu gigante dotado duma carapaça inteiriça e fixa, mais ou menos do tamanho de um Volkswagen, afora o formidável rabo à feição de tacape riçado de espigões pontiagudos.  Calcula-se que durante o Pleistoceno, isto é, há cerca de um milhão de anos, não só gliptodontes como também megatérios habitavam essa região diabásica da América do Sul, onde - só Deus sabe ao certo quando, - veio a formar-se o rio hoje conhecido pelo nome de Uruguai. Ignora-se, todavia, em que época da era cenozoica surgiram naquela zona do Brasil meridional os primeiros espécimes do Homo Sapiens. Tudo nos leva a crer, entretanto, que esse problema jamais tenha preocupado os antarenses. O que até hoje ainda os deixa ocasionalmente  irritados é o fato de cartógrafos, não só estrangeiros como também nacionais, não mencionarem nunca em seus mapas a cidade de Antares, como se São Borja fosse a única localidade digna de nota naquelas paragens do Alto Uruguai. De pouco ou nada têm servido os memoriais assinados pelo prefeito municipal, pelos membros da Câmara de Vereadores e por outras pessoas gradas e repetidamente dirigidos ao Instituto Brasileiro  de Geografia e Estatística, protestando contra a acintosa omissão. O pe. Gerôncio Albuquerque, quando ainda era vigário da matriz local, mais de uma vez encaminhou, mas em vão, idêntica reclamação  ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, do qual era membro correspondente

      No entanto, a verdade clara e pura é que, a despeito da má vontade ou da ignorância dos fazedores de cartas geográfica, a cidade de Antares, sede do município do mesmo nome, lá está, visível e concreta, à margem esquerda do grande rio.

     O incidente que se vai narrar, e de que Antares foi teatro na sexta-feira 13 de dezembro de 1963, tornou essa localidade conhecida e de certo modo famosa da noite para o dia - fama um tanto ambígua e ef6emera, e verdade - não só no estado do Rio Grande do Sul como também no resto do Brasil e mesmo através de todo o mundo civilizado. Entretanto, esse fato, ao que parece, não sensibilizou até agora geógrafos e cartógrafos.

     Tão insólitos, lúridos e tétricos - e esses adjetivos foram catados no artigo alusivo àquele dia aziago, escrito pelo jornalista Lucas Faia para o seu diário A Verdade, porém jamais publicado, por motivos que oportunamente serão revelados -, tão fantásticos foram os acontecimentos, que o pe. Gerôncio chegou a exclamar, dentro de seu templo que aquilo era o começo do Juízo Final. Nesse momento de susto e angústia coletiva, um cético gaiato, desses que costumam menosprezar a terra onde nasceram e vivem, murmurou: " A troco de que Deus havia de começar o Juízo Final logo neste cafundó onde Judas perdeu as botas?".

     Bem, mas não convém antecipar fatos não ditos. Melhor será contar primeiro, de maneira tão sucinta e imparcial quanto possível, a história de Antares e de seus habitantes, para que se possa ter uma ideia mais clara do palco, do cenário e principalmente das personagens principais, bem como da comparsaria, desse drama talvez inédito nos anais da espécie humana.


Imagem: mapa da cidade de Antares, feito por Érico Veríssimo. 

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