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Mostrando postagens de fevereiro, 2023

Prêmio Camões dos Brasileiros

  O Prêmio Camões foi instituído em Portugal em 1988 e concedido a escritores brasileiros por 11 vezes: 1990 - João Cabral de Melo Neto 1993- Raquel de Queiroz 1994 - Jorge Amado 1998 - Antônio Cândido 2000 - Autran Dourado 2003 - Rubem Fonseca. 2005 - Lygia Fagundes Telles 2008 - João Ubaldo 2010 - Ferreira Gullar 2012 - Dalton Trevisan 2014 - Alberto da Costa e Silva 2016 - Raduan Nassar 2019 - Chico Buarque 2022 - Silviano Santiago Agradeço a Natascha Duarte e Marisa Belo, pelas correções informadas.

As Mãos de Meu Filho, Érico Veríssimo

     Todos aqueles homens e mulheres ali na platéia sombria parecem apagados habitantes dum submundo, criaturas sem voz nem movimento, prisioneiros de algum perverso sortilégio. Centenas de olhos estão fitos na zona luminosa do palco. A luz circular do refletor envolve o pianista e o piano, que neste instante formam um só corpo, um monstro todo feito de nervos sonoros.nBeethoven. Há momentos em que o som do instrumento ganha uma qualidade profundamente humana. O artista está pálido à luz de cálcio. Parece um cadáver. Mas mesmo assim é uma fonte de vida, de melodias, de sugestões — a origem dum mundo misterioso e rico. Fora do círculo luminoso pesa um silêncio grave e parado. Beethoven lamenta-se. É feio, surdo, e vive em conflito com os homens. A música parece escrever no ar estas palavras em doloroso desenho. Tua carta me lançou das mais altas regiões da felicidade ao mais profundo abismo da desolação e da dor. Não serei, pois, para ti e para os demais, senão um músico? Será então pre

Poemas da M.P.B: Policia Bandido Cachorro Dentista, Sérgio Sampaio

Eu tenho medo de polícia, de bandido, de cachorro e de dentista Porque polícia quando chega vai batendo em quem não tem nada com isso Porque bandido quase sempre quando atira não acerta no que mira Porque cachorro quando ataca pode às vezes atacar o seu amigo Porque dentista policia minha boca como se fosse bandido Porque bandido age sempre às escuras como se fosse cachorro Porque cachorro não distingue o inimigo como se fosse polícia Porque polícia bandideia minha boca como se fosse dentista Dentista, dentista... Eu tenho medo de polícia, de bandido, de cachorro e de dentista Porque polícia quando chega vai batendo em quem não tem nada com isso Porque bandido quase sempre quando atira não acerta no que mira Porque cachorro quando ataca pode às vezes atacar o seu amigo Porque dentista policia minha boca como se fosse bandido Porque bandido age sempre às escuras como se fosse cachorro Porque cachorro não distingue o inimigo como se fosse polícia Porque polícia bandideia minha boca como

Jacaré da Beira Rio, Regina Porto

      Neste ano o bloco faz 10 anos. Começou quando eu cheguei no bairro da Madalena. Era uma coisinha de nada, saía de noite dava uma voltinha por aqui. Fui atrás. Como todos os blocos do Recife, saiu sem cordão  de isolamento. Anos seguintes, descendo pras ruas mais próximas, apenas olhei sem seguir o simpático bloco, já demonstrando crescimento e aceitação dos moradores.  Nos últimos dois anos que antecederam a pandemia, deixei a cidade no carnaval. Queria sossego. Bobagem que só entendi esse ano: sossego devo buscar na semana pré que é quando tem várias festas no clube ao lado. Como hoje. Como agora ...       Há pouco, começou a passagem de som da orquestra de frevo. Ouço de casa e da janela vejo os preparativos do Parabéns pra você. Confesso, me emocionei. Eu detesto "Vassourinhas" o frevo mais recifense e conhecido fora daqui. Sim, sou chata e detesto Vassourinhas. Levanta a multidão, é atemporal, abre sorrisos. Mas não mexe comigo. Pois é. Mas hoje... me levou às lágri

Incidente em Antares, Érico Veríssimo. Primeiro capítulo

  Afirmam os entendidos que os ossos fósseis recentemente encontrados numa escavação feita em terras do município de Antares, na fronteira do Brasil com a Argentina, pertenciam a gliptodonte, animal antediluviano, que, segundo reconstituições gráficas da paleontologia, era uma espécie de tatu gigante dotado duma carapaça inteiriça e fixa, mais ou menos do tamanho de um Volkswagen, afora o formidável rabo à feição de tacape riçado de espigões pontiagudos.  Calcula-se que durante o Pleistoceno, isto é, há cerca de um milhão de anos, não só gliptodontes como também megatérios habitavam essa região diabásica da América do Sul, onde - só Deus sabe ao certo quando, - veio a formar-se o rio hoje conhecido pelo nome de Uruguai. Ignora-se, todavia, em que época da era cenozoica surgiram naquela zona do Brasil meridional os primeiros espécimes do Homo Sapiens. Tudo nos leva a crer, entretanto, que esse problema jamais tenha preocupado os antarenses. O que até hoje ainda os deixa ocasionalmente 

Balada da Neve, Augusto Gil

Batem leve, levemente, como quem chama por mim. Será chuva? Será gente? Gente não é, certamente e a chuva não bate assim. É talvez a ventania: mas há pouco, há poucochinho, nem uma agulha bulia na quieta melancolia dos pinheiros do caminho... Quem bate, assim, levemente, com tão estranha leveza, que mal se ouve, mal se sente? Não é chuva, nem é gente, nem é vento com certeza. Fui ver. A neve caía do azul cinzento do céu, branca e leve, branca e fria... Há quanto tempo a não via! E que saudades, Deus meu! Olho-a através da vidraça. Pôs tudo da cor do linho. Passa gente e, quando passa, os passos imprime e traça na brancura do caminho... Fico olhando esses sinais da pobre gente que avança, e noto, por entre os mais, os traços miniaturais duns pezitos de criança... E descalcinhos, doridos... a neve deixa inda vê-los, primeiro, bem definidos, depois, em sulcos compridos, porque não podia erguê-los!... Que quem já é pecador sofra tormentos, enfim! Mas as crianças, Senhor, porque lhes dais t

Iemanjá Rainha do Mar

Quanto nome tem a Rainha do Mar? Quanto nome tem a Rainha do Mar? Dandalunda, Janaína, Marabô, Princesa de Aiocá, Inaê, Sereia, Mucunã, Maria, Dona Iemanjá. Onde ela vive? Onde ela mora? Nas águas, Na loca de pedra, Num palácio encantado, No fundo do mar. O que ela gosta? O que ela adora? Perfume, Flor, espelho e pente Toda sorte de presente Pra ela se enfeitar. Como se saúda a Rainha do Mar ? Como se saúda a Rainha do Mar? Alodê, Odofiaba, Minha-mãe, Mãe-d’água, Odoyá! Qual é seu dia, Nossa Senhora? É dia dois de fevereiro Quando na beira da praia Eu vou me abençoar. O que ela canta? Por que ela chora? Só canta cantiga bonita Chora quando fica aflita Se você chorar. Quem é que já viu a Rainha do Mar? Quem é que já viu a Rainha do Mar? Pescador e marinheiro, Quem escuta a Sereia cantar. É com o povo que é praieiro Que Dona Iemanjá quer se casar. ______________________________________________________ Álbum:  Mar de Sophia . artista & intérprete:  Maria Bethânia . canção:  Iemanjá Ra

Angústia, Graciliano Ramos - primeiras páginas...

      Levantei-me há cerca de trinta dias, mas julgo que ainda não me restabeleci completamente. Das visões que me perseguiam naquelas noites compridas  umas sombras permaneceram, sombras que se  misturam à realidade e me produzem calafrios.      Há criaturas que não suporto. Os vagabundos, por exemplo. Parece-me que eles cresceram muito, e, aproximando-se de mim, não vão gemer peditórios: vão gritar, exigir, tomar-me qualquer coisa.      Certos lugares que me davam prazer tornaram-se odiosos. Passo diante de uma livraria, olho com desgosto as vitrinas, tenho a impressão de que se acham ali pessoas exibindo títulos e preços nos rostos, vendendo-se. É uma espécie de prostituição. Um sujeito chega, atenta, encolhendo os ombros ou estirando o beiço, naqueles desconhecidos que se amontoam por detrás do vidro. Outro larga uma opinião à toa. Basbaques escutam, saem. E os autores, resignados, mostram as letras e os algarismos, oferecendo-se como as mulheres da Rua da Lama.      Vivo agitado,