Eu
sou filho da empregada. Quando eu e meus irmãos éramos pequenos, minha mãe
trabalhou como artesã domiciliar e como diarista. Naquele tempo, as diaristas
também eram chamadas de empregadas. Não havia a diferenciação entre as que
trabalhavam a semana toda e as que iam alguns dias por semana. Ela
complementava a renda familiar com essa atividade. A história, que vou pintar,
vem lá do final da década de 70...
Calmon
Viana é um bairro de Poá. Lá de casa, íamos a pé para Calmon, até porque não
existia transporte público nas periferias. 40 minutos de caminhada. Foi lá que
a mamis conseguiu emprego. A cada vez que ela voltava, eu ficava atento às
histórias fresquinhas que chegavam!
Era
um casal do Rio Grande do Sul. Ele, Seu Guigui, um gaúcho típico, tradicional,
daqueles das enciclopédias. Pela descrição física, o associei ao Tarcísio
Meira. Ela, Lara, era uma beldade sulista: Glória Menezes. Sendo assim, a mama
trabalhava para Tarcísio e Glória da periferia de São Paulo! Eu achava aquilo
excitante. E ficava esperando a mãe chegar, cansada, mas com uma história nova.
Seu
Guigui era muito respeitoso. Sério, mas boa gente. Trabalhava no ramo
imobiliário. Saía com uma roupa impecável, uma pasta preta misteriosa e pilotando
um carrão novo. Um galã suburbano para ninguém botar defeito, tchê! Eu queria
muito saber o que havia na pasta preta, mas era um segredo secreto dele. Nas horas de descanso, ele tomava chimarrão e
contava causos do Sul. Falava do Minuano, de São Miguel das Missões, de Sepé
Tiaraju e outras iluminuras do sul do Brasil. E fazia um churrasco que ninguém
em Poá sabia fazer! Barbaridade!
Lara
era uma ninfa que vivia entre almofadas e revistas. Uma gata mimosa e indolente,
que vivia ronronando o dia todo. Lia
fotonovelas. Assistia às novelas e vivia sua vida de novela. Ela sempre estava
como quem acabou de sair de uma banheira de espuma. Se ela entrasse em um rio,
certamente se transformaria em sereia, pensava eu.
Esse
casal era muito simpático com a minha mãe. Tratavam ela com todo o respeito.
Naquela época, havia famílias brancas que não empregavam mulheres negras e
outras empregavam, mas maltratavam. E eu sou filho negro de uma mulher negra.
Entendi que aquele casal era mais moderno e não estava atado às rígidas regras
do racismo que sempre existiu, só que nunca foi assumido, embora imperasse e
ainda impere em muitas casas de família.
Por
serem tão simpáticos com a minha mãe, torcia para que aquela novela deles
tivesse um final feliz! Mas eu nunca imaginei que o final seria, realmente,
televisionado, em horário nobre e que fosse como foi! Barbaridade, tchê! Capaz!?
Foi
bem assim... Vimos tudo pela televisão! Seu Guigui era “traficante de drogas”.
Que que é isso!? Eu entendi que “traficante” era o mesmo que pirata e que
“drogas” era o que vendia na drogaria. Que mal poderia haver nisso? Um pirata
de remédios! Mas a polícia não pensava assim!
Eles fugiram! Uma fuga cinematográfica! Coisa
de Hollywood! Levaram todos os documentos e pertences íntimos! Não deixaram
pistas... No dia seguinte, a mãe não foi trabalhar, porque não havia mais
ninguém lá. Quem iria imaginar que Seu Guigui era aquele negócio lá! A gente
nunca nem tinha ouvido falar em traficante!
Onde
estarão eles? Devem estar septuagenários, vivendo à beira da praia em Fortaleza,
em Angra dos Reis ou em Trancoso. Quem sabe?
(2) Vó Barnabé
Muito obrigado pela visita e comentário no meu blog, gostei de ler este belo texto.
ResponderExcluirUm abraço e boa semana.
Andarilhar
Dedais de Francisco e Idalisa
O prazer dos livros