De tanto ouvir falar em kit gay fiquei intrigada sobre o que poderia vir a ser isso.
Ontem à noite, para minha surpresa, vi que um livro é que teria ganho esse apelido. Mais: o livro infantojuvenil Aparelho Sexual & Cia de Zep Hélène Bruller é que está causando a ira de um determinado candidato à presidência. Por sorte, minha curiosidade foi saciada com a matéria do jornalista Bruno Molinero na Folha de São Paulo. O profissional da imprensa mostra o livro e diz do que se trata verdadeiramente.
Segue a matéria:
O Que Diz, Afinal, O Livro Infantil Que Bolsonaro Levou Ao Jornal Nacional?
Parece que virou mania entre
candidatos à Presidência entrevistados pelo Jornal Nacional, da Globo,
levar um livro embaixo do braço.
Na segunda (27), Ciro Gomes (PDT) apresentou a William Bonner um livreto em que detalha a proposta de abater dívidas pessoais e retirar brasileiros do SPC. Já nesta terça (28), Jair Bolsonaro (PSL) levou o livro infantil “Aparelho Sexual e Cia.”.
Após tentar mostrá-lo às câmeras e ser
impedido pelos apresentadores, sob a justificativa de isso contrariaria
as regras estabelecidas na transmissão, o candidato declarou: “Um pai
não quer chegar em casa e ver o filho brincando com boneca por
influência da escola”.
Mas, afinal, o que diz esse livro infantil?
“Aparelho Sexual e Cia.”, foi escrito
por Zep (pseudônimo do autor suíço Philippe Chappuis) e traduzido para
mais de dez idiomas, com mais de 1,5 milhão de exemplares vendidos. No
Brasil, foi publicado pela Companhia das Letras em 2007 e atualmente
está fora de catálogo.
Dividido em seis capítulos, é um guia
que utiliza toques de humor e linguagem de histórias em quadrinhos para
falar sobre sexualidade, amor e relacionamento para o público
infantojuvenil.
Aqui vale um parênteses. Sempre que
aborda a obra, o candidato a aproxima da faixa etária de seis anos. Uma
criança dessa idade ainda está em fase inicial de alfabetização e não
apresenta, no geral, capacidade de leitura para compreender sozinha a
linguagem escrita e visual utilizada na narrativa. Para um menino ou uma
menina de seis anos ter contato com o título, provavelmente será a
partir da mediação dos pais. Uma leitura independente se torna mais
factível a partir dos nove anos.
Voltando ao livro, o primeiro capítulo
fala de relacionamentos. O que é estar apaixonado? O que é sair com
alguém? Como é beijar? O seguinte discorre sobre a puberdade e as
mudanças corporais sofridas por garotos e garotas: mudanças na voz,
crescimento dos seios, surgimento de pelos, acentuação dos odores etc.
Em seguida, vem a parte do sexo. Com
linguagem didática, perguntas diretas e respostas claras, a obra explica
o que é transar, o que é uma ereção, como funciona o orgasmo e a
anatomia dos órgãos sexuais. A informação quase sempre é precisa e sem
tabu.
Sobre o que é transar, por exemplo, o
livro diz: “Quando você sente atração por uma pessoa, fica a fim de se
aproximar cada vez mais dela. Assim, os namorados vão unir seus corpos
pelos órgãos genitais. O órgão masculino é que vai penetrar o feminino”.
O quarto capítulo aborda a maternidade
e a corrida dos espermatozoides rumo ao óvulo, mesclando ciência com
linguagem de tirinhas de jornal. Depois é a vez de falar sobre
contracepção e higiene. Por fim, há um serviço completo sobre quem
procurar em casos de abuso ou pedofilia.
Durante todo o livro, o personagem principal interage com o universo
da sexualidade procurando gerar um efeito cômico. Ele se beija no
espelho para treinar, não entende muito bem como funciona uma relação
sexual e, muitas vezes, imagina as coisas da maneira mais literal
possível.
A abordagem lembra a de outros livros infantojuvenis que fizeram
algum sucesso no passado. Um dos casos mais recentes é o da série
publicada pela Melhoramentos no início dos anos 2000 que traz títulos
como “Coisas Que Todo Garoto Deve Saber Sobre Garotas”, “Coisas Que Toda
Garota Deve Saber Sobre Garotos” e “Beijos – Coisas Que Todo Mundo Quer
Saber”. Nesse sentido, “Aparelho Sexual e Cia.” não inventa a roda nem está sozinho.
Em vídeo publicado em suas redes
sociais em 2016, Bolsonaro afirma que o título “é uma porta aberta para a
pedofilia” e diz equivocadamente que ele foi comprado por programas
federais como o PNBE (Programa Nacional Biblioteca da Escola) e o PNLD
(Programa Nacional do Livro Didático) –na verdade, a obra foi adquirida
pelo MinC (Ministério da Cultura) para bibliotecas.
No mesmo vídeo, o capitão reformado afirma sobre o conteúdo que “todo
ele é uma coletânea de absurdos que estimula precocemente as crianças a
se interessarem por sexo”.
A Unesco, ligada às Nações Unidas, lançou em 2014 um guia para os professores brasileiros
sobre como abordar a educação sexual com alunos. Além disso, já
declarou no Brasil que a educação sexual e de gênero nas escolas pode
ajudar a prevenir a violência contra as mulheres.
Na França, o livro inspirou uma
exposição infantil sobre sexualidade, com informações e atividades
interativas inspiradas nos capítulos. A mostra foi aberta ao público em
2007 e depois viajou por diferentes países da Europa.
Não é a primeira vez, porém, que a obra causa polêmica no Brasil. A Promotoria do Distrito Federal já havia pedido esclarecimentos sobre o livro à Companhia das Letras em 2015. Na época, pais questionaram o conteúdo de “Aparelho Sexual e Cia.”, adotado por um colégio.
Era Uma Vez - FSP 29.8.2018 atualização 11h35
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