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Mostrando postagens de agosto, 2018

Escova, Manoel de Barros

Eu tinha vontade de fazer como os dois homens que vi sentados na terra escovando osso. No come~co achei que aqueles homens não batiam bem. Porque ficavam sentados na terra o dia inteiro escovando osso. Depois aprendi que aqueles homens eram arqueólogos. E que eles faziam o serviço de escovar ossos por amor. E que eles queriam encontrar nos ossos vestígios de antigas civilizações que estariam enterradas por séculos naquele chão. Logo pensei de escovar palavras. Porque eu havia lido em algum lugar que as palavras eram conchas de clamores antigos. Eu queria ir atrás dos clamores antigos que estariam guardados dentro das palavras. Eu já sabia também que as palavras possuem no corpo muitas oralidades remontadas e muitas significâncias remontadas. Eu queria escovar as palavras para escutar o primeiro esgar de cada uma. Para escutar os primeiros sons, mesmo que ainda bígrafos. Comecei a fazer isso sentado em minha escrivaninha. Passava horas inteiras, dias inteiros fechado no quarto, tran

O Que é o Kit Gay Alegado por Bolsonaro?

     De tanto ouvir falar em kit gay  fiquei intrigada sobre o que poderia vir a ser isso.      Ontem à noite, para minha surpresa, vi que um livro é que teria ganho esse apelido. Mais: o livro infantojuvenil Aparelho Sexual & Cia de Zep Hélène Bruller é que está causando a ira de um determinado candidato à presidência.  Por sorte, minha curiosidade foi saciada com a matéria do jornalista Bruno Molinero na Folha de São Paulo.  O profissional da imprensa mostra o livro e diz do que se trata verdadeiramente.  Segue a matéria: O Que Diz, Afinal, O Livro Infantil Que Bolsonaro Levou Ao Jornal Nacional? Bruno Molinero         Parece que virou mania entre candidatos à Presidência entrevistados pelo Jornal Nacional, da Globo, levar um livro embaixo do braço.       Na segunda (27), Ciro Gomes (PDT) apresentou a William Bonner um livreto em que detalha a proposta de abater dívidas pessoais e retirar brasileiros do SPC. J

80 anos de Vidas Secas, Estadão.

     Vidas Secas, o romance de Graciliano Ramos e clássico da literatura nacional, completou 80 anos !! O jornal Estadão, fez uma longa e primorosa reportagem sobre o livro, percorrendo os caminhos do autor alagoano.        Independente de conhecer ou gostar de Vidas Secas e Graciliano Ramos, a reportagem é um primor do jornalismo cultural.                                         Recomendo a leitura. Clique na imagem Imagem: Toda Matéria

Como Poderia Partir, Yasmin Nigri

Como poderia partir Quando fervilha  Na boca o não dito Quando gasto a saliva Beijando canudos E juras furadas Na companhia de anarquistas De boca áspera Tomados pela preguiça Coleciono feridas Não cicatrizadas No canto do coração arisco Não me faz falta a felicidade Me atormenta o excesso De coisas tão abstratas Que não posso roçar Em ninguém Faz falta A plasticidade dos joelhos Um fósforo inteiro Um par de utensílios Um artesão que abra Meu peito por dentro Tire os ossos do centro Revestida e armada Saio correndo Dou a volta E qualquer sopro me traga Pro mesmo ponto Fonte: Mulheres que escrevem Imagem: Google 

Ter Ou Não Ter Namorado, Eis a Questão. Artur da Távola

   Quem não tem namorado é alguém que tirou férias não remuneradas de si mesmo.                 Namorado é a mais difícil das conquistas. Difícil porque namorado de verdade é muito raro. Necessita de adivinhação, de pele, saliva, lágrima, nuvem, quindim, brisa ou filosofia. Paquera, gabira, flerte, caso, transa, envolvimento, até paixão é fácil. Mas namorado mesmo é muito difícil.      Namorado não precisa ser o mais bonito, mas ser aquele a quem se quer proteger e quando se chega ao lado dele a gente treme, sua frio, e quase desmaia pedindo proteção. A proteção dele não precisa ser parruda ou bandoleira: basta um olhar de compreensão ou mesmo de aflição.      Quem não tem namorado não é quem não tem amor: é quem não sabe o gosto de namorar. Se você tem três pretendentes, dois paqueras, um envolvimento, dois amantes e um esposo; mesmo assim pode não ter nenhum namorado. Não tem namorado quem não sabe o gosto da chuva, cinema, sessão das duas, medo do pai, sand

Argenti Sitis,Luciano Maia

Sequiosas agitam-se as pessoas em quefazeres de sua via insana. Não têm sossego, já ninguém se irmana em lograr para outrem coisas boas. Repetem ladainhas, cantam loas à lei do argento, que a tudo dana. A corrida à riqueza o ar profana e aos ímpios lhes dão falsas coroas. Reinados de ilusão... quedas fatais ao longo de árduas e dementes lidas do querer ter a mais e sempre a mais. Depois, as existências  exauridas no perdulário tempo, tão falaz sem memória deixar de suas vidas. In: Maia, Luciano, Os Longes, Academia Cearense de Letras, Fortaleza, 2017, pág. 21 Nota: O autor me presenteou com seus livros e autorizou publicação no blog. Blog do autor: Memória das Águas

Entendo Tudo Errado Mas Na Maior Empolgação, Regina Porto

            Deixei de cantar. Não sei desde quando nem o porquê, mas aconteceu. Foi morar longe de mim a pessoa que cantarolava por horas e diariamente e em qualquer lugar.       Afastou-se sem explicação e sem deixar nenhuma nota musical de lembrança. Levou, inclusive, os meus CDs. Corrijo: deixou os CDs mas levou meus ouvidos. Sem me entender tentei forçar o canto, a reaproximação com a música. Não vingou. Larguei de mão.      Talvez noutra oportunidade minh'alma voltasse. Sem partitura, que não sei ler, sem instrumento porque não sei tocar nem caixinha de fósforos ou esquecendo as letras pra me deixar improvisar dizendo barbaridades. É. Talvez voltasse.      Coração apaziguado com a ideia, me detive nas lembranças das desafinações, do meu gosto eclético, de que já não aprecio mais alguns cantores... De como me iniciei na audição de musica instrumental e erudita quando estudante da Unicap e de como gastei uns dias pedido à minha mãe para cantar uma música do

Para Seu Alípio, Regina Porto.

    Papai,     Não vim lhe parabenizar. Não convivemos proximamente desde que fiz dez anos e agora você já não está mais aqui pra que lhe peça desculpas olhando nos seus olhos como gostaria.  Sim, era isso que eu queria fazer hoje. Pedir desculpas.      Por anos carreguei uma ideia pesada, ruim mesmo, a seu respeito. As circunstâncias e, talvez, principalmente, o sofrimento de mamãe não me permitiram diferente. Passados tantos anos que você se foi é que amadureci o suficiente para ver o tão óbvio pai possível que você foi.        Você não me empurrou no balanço como nas cenas românticas do dia dos pais da atualidade, mas fez e armou o brinquedo numa árvore pra nós.        Não nos acompanhou nas brincadeiras dentro d'água, mas alertou do perigo da lagoa pra onde, seguindo seus alertas,nunca fomos. A seu modo, como sabia, cuidou de nós.      Não me embalou pra dormir, mas correu feito atleta pra me livrar do ataque de um animal. A seu modo, como sabia, como podia cuidou d

Cademia, Nalise Valença

     "CADEMIA" Academia, amarelinha...não importa o nome. O valor está ou estava naquele brinquedo. Nós, as meninas dos velhos tempos,não perdíamos a oportunidade para disputar a "glória" de ser a melhor nos pulos daquele jogo.      Havia até brigas quando alguém pisava "na risca"e não passava a vez; mas a alegria da vencedora compensava o cansaço e as arengas.          Hoje vi ali numa calçada, riscada com giz,uma academia. Parei para conferir se a forma ainda era a mesma ! Fui longe até minha menini ce e me pareceu ver todas as meninas daquele tempo com um carvão nas mãos, já preparadas para riscar nas poucas calçadas da cidade, o nosso jogo predileto.       Pulei com elas,na imaginação ,para sentir a alegria antiga de ser boa na academia, que, aliás, muitas chamavam "cademia".       Não vi ninguém perto de mim e descobri que nos quadros,nas asas e no céu da minha academia, hoje, pulam sentimentos diversos, na busca