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O Conto da Aia, resenha de Suzana Valença



O Conto da Aia faz pensar sobre os mecanismo da opressão


No começo do livro, conhecemos uma mulher sem nome. Ela vive como empregada de uma família e é obrigada a seguir uma série de ações diárias. The Handmaid’s Tale, ou O Conto da Aia, em português, começa mostrando só isso mesmo, a rotina sem graça da protagonista. Mas é, na verdade, uma história bem mais ampla e provoca o leitor a pensar sobre os artifícios usados para oprimir pessoas. Neste caso, mais especificamente, as mulheres.


O livro não oferece uma grande narrativa. Toda a trama vai se revelando enquanto a personagem fala dos seus dias. Mas, à medida que a mulher conta o que acontece ao seu redor e suas (poucas e estranhas) interações com as outras pessoas, vamos descobrindo que há algo de muito errado no mundo onde ela vive.


O mundo distópico da handmaid


Após alguns capítulos, a história começa a dar saltos no tempo que explicam o que está acontecendo. Os pulos fazem a trama variar entre o tempo presente, o passado na qual a protagonista está em um treinamento para as funções que exerce no tempo atual, e um passado um pouco mais distante no qual a vida ainda era normal.


     Aí entendemos que a mulher sem nome (só vamos saber sua alcunha artificial na metade da história) tem 30 e poucos anos e mora nos EUA. Mas o país está mudado. Se chama agora Gilead. Um grupo religioso tomou o poder e dissolveu as instâncias de regulação. É uma ditadura. O país está em guerra, não sabemos contra quem. E o povo deve seguir padrões de comportamento ditados pela religião e de acordo com as casta no qual está dividido agora. Os homens têm funções de poder. Ou são guardas das regras da nova sociedade, ou soldados, ou são commanders, aqueles que tomam as decisões. Mas os leitores nunca sabem exatamente o que eles fazem.

 


     As mulheres também estão divididas em classes. As esposas são cônjuges dos commanders (e apenas isso). As pobres são as econowifes. As Marthas trabalham na casa das esposas. E existem as hadmaids ou aias.

     Nessa realidade alternativa, as mulheres ficaram inférteis. As handmaid são as poucas que ainda podem engravidar. Então, elas são obrigadas a morar com uma família de commander + esposa para prestar esse “serviço”. Devem fazer sexo com os comandantes e dar o bebê para ele e a esposa criarem. A protagonista sem nome é uma handmaid.

     Essa história vai sendo contada nos pulos no tempo da narrativa, que é em primeira pessoa, com se fossem as lembranças da aia. No presente, acompanhamos as ações do dia a dia dela. No passado, aprendemos sobre sua família (marido, filha, mãe). E no passado um pouco mais recente, vemos como, após ter a filha roubada e o marido com destino incerto, ela é obrigada a ir para um "colégio interno" para mulheres onde recebe o treinamento (ou lavagem cerebral) para se tornar uma handmaid.


As agonias que o livro provoca


     Não é uma história fácil. O “futuro” do livro é muito próximo da nossa realidade. E a opressão absurda que as mulheres sofrem também parece só uma extrapolação de fatos muito familiares para a gente. Margaret Atwood escreveu o “Conto” em 1985. Ela diz que se baseou em declarações reais de fanáticos religiosos e que fez questão de colocar na narrativa apenas situações que aconteceram de verdade em algum lugar do mundo.


A primeira grande agonia que o livro provoca é essa: ele é realista.

     O choque de realidade está, principalmente, nos métodos usados para manter as mulheres submissas às novas regras. São poucos os relatos da violência necessária para que isso ocorra (embora a ameaça dela seja constante). Mas são muitas as descrições das ideias plantadas e das sutis (ou não tanto) pressões sociais que fazem com que todos obedeçam. Entre elas:

     A ideia de que tudo, de alguma forma, é culpa da própria mulher.

     O estímulo à rivalidade entre as mulheres.

     Há existência de um motivo maior para que a mulher seja submissa, (no caso do livro, não é uma vontade do governo, mas sim de Deus).

     A noção de que seguir as regras faz com que a mulher seja honrada.

     A noção de que seguir as regras “é o melhor” para as mulheres.

     A noção de que as regras não foram criadas para oprimir e sim para proteger as mulheres.

     O uso da revolta das mulheres oprimida contra os inimigos do governo (para que elas não se revoltem contra o próprio governo).


     A segunda grande agonia é que o livro de Atwood também é muito fiel em relação ao comportamento humano quando mostra as reações das pessoas aos absurdos contados. A história, mais uma vez, não é grandiosa. Não há grandes heróis e os grandes vilões estão diluídos. Ela não foca no macro da trama, mas sim, nos atos e, no caso da protagonista, nos sentimento, do cidadão comum. Desta forma, ela acaba provocando o leitor, também uma pessoa comum, a se perguntar o que aconteceria se regras absurdas e opressoras fossem impostas em nossa sociedade. Como nós, indivíduos normais, reagiríamos? O livro propõe respostas muito tristes exatamente por serem muito reais. 


The Handmaid’s Tale

Margaret Atwood

1985



The Handmaid’s Tale - a série de TV Hulu



Entrevista de Emma Watson com Margaret Atwood

O Conto da Aia, Margaret Atwood
The Handmaid's Tale, Margaret Atwood 


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