O Conto da Aia faz pensar sobre os mecanismo da
opressão
No começo do livro,
conhecemos uma mulher sem nome. Ela vive como empregada de uma família e é
obrigada a seguir uma série de ações diárias. The Handmaid’s Tale, ou O Conto da Aia, em português, começa mostrando só isso mesmo, a rotina sem graça da
protagonista. Mas é, na verdade, uma história bem mais ampla e provoca o leitor
a pensar sobre os artifícios usados para oprimir pessoas. Neste caso, mais
especificamente, as mulheres.
O livro não oferece
uma grande narrativa. Toda a trama vai se revelando enquanto a personagem fala
dos seus dias. Mas, à medida que a mulher conta o que acontece ao seu redor e
suas (poucas e estranhas) interações com as outras pessoas, vamos descobrindo
que há algo de muito errado no mundo onde ela vive.
O mundo distópico da handmaid
Após alguns capítulos,
a história começa a dar saltos no tempo que explicam o que está acontecendo. Os
pulos fazem a trama variar entre o tempo presente, o passado na qual a
protagonista está em um treinamento para as funções que exerce no tempo atual,
e um passado um pouco mais distante no qual a vida ainda era normal.
Aí entendemos que a
mulher sem nome (só vamos saber sua alcunha artificial na metade da história)
tem 30 e poucos anos e mora nos EUA. Mas o país está mudado. Se chama agora
Gilead. Um grupo religioso tomou o poder e dissolveu as instâncias de
regulação. É uma ditadura. O país está em guerra, não sabemos contra quem. E o
povo deve seguir padrões de comportamento ditados pela religião e de acordo com
as casta no qual está dividido agora. Os homens têm funções de poder. Ou são
guardas das regras da nova sociedade, ou soldados, ou são commanders, aqueles
que tomam as decisões. Mas os leitores nunca sabem exatamente o que eles fazem.
As mulheres também
estão divididas em classes. As esposas são cônjuges dos commanders (e apenas
isso). As pobres são as econowifes. As Marthas trabalham na casa das esposas. E
existem as hadmaids ou aias.
Nessa realidade
alternativa, as mulheres ficaram inférteis. As handmaid são as poucas que ainda
podem engravidar. Então, elas são obrigadas a morar com uma família de
commander + esposa para prestar esse “serviço”. Devem fazer sexo com os
comandantes e dar o bebê para ele e a esposa criarem. A protagonista sem nome é
uma handmaid.
Essa história vai
sendo contada nos pulos no tempo da narrativa, que é em primeira pessoa, com se
fossem as lembranças da aia. No presente, acompanhamos as ações do dia a dia
dela. No passado, aprendemos sobre sua família (marido, filha, mãe). E no
passado um pouco mais recente, vemos como, após ter a filha roubada e o marido
com destino incerto, ela é obrigada a ir para um "colégio interno"
para mulheres onde recebe o treinamento (ou lavagem cerebral) para se tornar
uma handmaid.
As agonias que o livro provoca
Não é uma história
fácil. O “futuro” do livro é muito próximo da nossa realidade. E a opressão
absurda que as mulheres sofrem também parece só uma extrapolação de fatos
muito familiares para a gente. Margaret Atwood escreveu o “Conto” em 1985. Ela
diz que se baseou em declarações reais de fanáticos religiosos e que fez
questão de colocar na narrativa apenas situações que aconteceram de verdade em
algum lugar do mundo.
A primeira grande
agonia que o livro provoca é essa: ele é realista.
O choque de realidade
está, principalmente, nos métodos usados para manter as mulheres submissas às
novas regras. São poucos os relatos da violência necessária para que isso
ocorra (embora a ameaça dela seja constante). Mas são muitas as descrições das
ideias plantadas e das sutis (ou não tanto) pressões sociais que fazem com que
todos obedeçam. Entre elas:
● A ideia de que tudo, de alguma forma, é culpa
da própria mulher.
● O estímulo à rivalidade entre as mulheres.
● Há existência de um motivo maior para que a
mulher seja submissa, (no caso do livro, não é uma vontade do governo, mas sim
de Deus).
● A noção de que seguir as regras faz com que a
mulher seja honrada.
● A noção de que seguir as regras “é o melhor”
para as mulheres.
● A noção de que as regras não foram criadas para
oprimir e sim para proteger as mulheres.
● O uso da revolta das mulheres oprimida contra
os inimigos do governo (para que elas não se revoltem contra o próprio
governo).
A segunda grande
agonia é que o livro de Atwood também é muito fiel em relação ao comportamento
humano quando mostra as reações das pessoas aos absurdos contados. A história,
mais uma vez, não é grandiosa. Não há grandes heróis e os grandes vilões estão
diluídos. Ela não foca no macro da trama, mas sim, nos atos e, no caso da
protagonista, nos sentimento, do cidadão comum. Desta forma, ela acaba
provocando o leitor, também uma pessoa comum, a se perguntar o que aconteceria
se regras absurdas e opressoras fossem impostas em nossa sociedade. Como nós,
indivíduos normais, reagiríamos? O livro propõe respostas muito tristes
exatamente por serem muito reais.
The Handmaid’s Tale
Margaret Atwood
1985
The Handmaid’s Tale -
a série de TV Hulu
Entrevista de Emma
Watson com Margaret Atwood
O Conto da Aia, Margaret Atwood
The Handmaid's Tale, Margaret Atwood
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