Procuro um documento de que preciso com urgência. Não o encontro, mas me demoro a decifrar minha própria letra, nas notas de um caderno esquecido que os misteriosos movimentos na papelada pelas minha gavetas fizeram vir à tona. Isso é que dá encanto ao costume de gente ter tudo desarrumado. Tenho uma secretária que é um gênio nesse sentido. Perdeu, outro dia, cinquenta páginas de uma tradução. Tem um extraordinário senso divinatório, que a leva a mergulhar no fundo do baú do quarto da empregada os papéis mais urgentes; rasga apenas o que é estritamente necessário guardar mas conserva com rigoroso carinho o recibo da segunda prestação de um aparelho de rádio,que comprei em São Paulo em 1941. Isso me fornece algumas emoções líricas inesperadas: quem não se comove de repente quando está procurando um aviso de banco e encontra uma conta de hotel de Teresina de quatro anos atrás, com todos os vales das despesas extraordinária