Pular para o conteúdo principal

Soberania, Manoel de Barros














Naquele dia, no meio do jantar, eu contei que 
tentara pegar na bunda do vento — mas o rabo
do vento escorregava muito e eu não consegui 
pegar. Eu teria sete anos. A mãe fez um sorriso 
carinhoso para mim e não disse nada. Meus irmãos 
deram gaitadas me gozando. O pai ficou preocupado 
e disse que eu tivera um vareio da imaginação. 
Mas que esses vareios acabariam com os estudos. 
E me mandou estudar em livros. Eu vim. E logo li 
alguns tomos havidos na biblioteca do Colégio. 
E dei de estudar pra frente. Aprendi a teoria
das idéias e da razão pura. Especulei filósofos
e até cheguei aos eruditos. Aos homens de grande 
saber. Achei que os eruditos nas suas altas 
abstrações se esqueciam das coisas simples da 
terra. Foi aí que encontrei Einstein (ele mesmo
— o Alberto Einstein). Que me ensinou esta frase: 
A imaginação é mais importante do que o saber. 
Fiquei alcandorado! E fiz uma brincadeira. Botei 
um pouco de inocência na erudição. Deu certo. Meu 
olho começou a ver de novo as pobres coisas do 
chão mijadas de orvalho. E vi as borboletas. E
meditei sobre as borboletas. Vi que elas dominam 
o mais leve sem precisar de ter motor nenhum no 
corpo. (Essa engenharia de Deus!) E vi que elas 
podem pousar nas flores e nas pedras sem magoar as
próprias asas. E vi que o homem não tem soberania 
nem pra ser um bentevi.



Ilustração: Martha Barros.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di...

Vamos Pensar? (13)

 

Vamos Pensar? (10)