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Escaleno, Stela do Patrocínio

Sujeito Escaleno


Olha quantos estão comigo
Estão sozinhos
Estão fingindo que estão sozinhos
Para poder estar comigo

Eu já fui operada várias vezes
Fiz várias operações
Sou toda operada
Operei o cérebro, principalmente
Eu pensei que ia acusar
Se eu tenho alguma coisa no cérebro

Não, acusou que eu tenho cérebro
Um aparelho que pensa bem pensado
Que pensa positivo
E que é ligado a outro que não pensa
Que não é capaz de pensar nada e nem trabalhar
Eles arrancaram o que está pensando
E o que está sem pensar
E foram examinar esse aparelho de pensar e não pensar
Ligados um ao outro na minha cabeça, no meu cérebro
Estudar fora da cabeça
Funcionar em cima da mesa
Eles estudando fora da minha cabeça
Eu já estou nesse ponto de estudo, de categoria

É dito: pelo chão você não pode ficar

Porque lugar da cabeça é na cabeça
Lugar de corpo é no corpo
Pelas paredes você também não pode
Pelas camas também você não vai poder ficar
Pelo espaço vazio você também não vai poder ficar
Porque lugar da cabeça é na cabeça
Lugar de corpo é no corpo
*
Eu era gases puro, ar, espaço vazio, tempo
Eu era ar, espaço vazio, tempo
E gazes puro, assim, ó, espaço vazio, ó
Eu não tinha formação
Não tinha formatura
Não tinha onde fazer cabeça
Fazer braço, fazer corpo
Fazer orelha, fazer nariz
Fazer céu da boca, fazer falatório

Fazer músculo, fazer dente
Eu não tinha onde fazer nada dessas coisas
Fazer cabeça, pensar em alguma coisa
Ser útil, inteligente, ser raciocínio
Não tinha onde tirar nada disso
Eu era espaço vazio puro


Esta poesia faz parte do livro “Reino dos bichos e dos animais é o meu nome”, organizado por Viviane Mosé, Azougue Editorial. Stela do Patrocínio foi interna do Centro de Psiquiatria Pedro II (RJ) de 1962 a 1966, quando foi transferida para a Colônia Juliano Moreira (RJ), onde faleceu em 1992, sem nunca mais ter saído do manicômio, sem parentes, sem ninguém próximo. Ela não escrevia, mas falava poesia e sabia disso, tanto que mudava a voz quando expressava poesia.


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