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A perdida - Carlos Said


A perdida

Carlos Said

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É uma perdida, eu sabia que isto ia acontecer, tinha que acontecer ela sempre procurou isto, eu te avisei para não vir morar com ela, é sua mãe respeito o seu sentimento, mas é uma, descarada !!! Perdida te leva pro mesmo caminho menina ...pro mesmo caminho...desgraçada porque teve que se meter com meu filho...desculpe querida...senão fosse isto você não teria nascido...Mas veja que situação, no Hospital trazida, por delinqüentes... entre a vida e a morte e tudo porque ???Porque ... homem...sempre homem... ela nunca gostou de você...ela é uma perdida...corre atrás de macho...depois do seu pai que tem idade para ser filho dela, quantos homens ela teve hein quantos ?..perdeu as contas ?...com quantos dormiu no apartamento que vocês moram...com você lá dentro...com quantos ?.Que exemplo meu Deus, que exemplo !!!...Olha o que acontece ... agora se mete com moleque drogado, podia ser filho dela até neto...o que esperava... e do seu lado, ele podia ter levado você para este mundo de drogados...meu Deus meu Deus...tinha que acontecer ela é uma perdida.
A mulher falava em um tom baixo mas sua indignação era tanta que não conseguia dominar e uma ou outra palavra saia mais alta chamava a atenção.
A jovem mantinha os olhos abaixados, estava só os demais irmãos não vieram o irmão ao ser comunicado, dissera ter vergonha da "velha" e que não "queria nem saber".Ironia só tinha meio-irmãos, todos frutos de relacionamentos da mãe, casamento apenas um e sem filhos.Os últimos meses tinham sido difíceis, a mãe mais na rua que em casa.Ela tentando negociar com a arrumadeira, com credores, mentindo para o pai e para a avó em Ribeirão Preto que ligavam para saber como estava.A mãe cada dia pior chegando a agredi-la quando questionou o relacionamento com o Clayton, o rapaz era 2 anos mais novo que ela a filha mais nova, se drogavam em casa ambos, sua vida que parecia mais tranqüila com mais liberdade desde que viera morar com ela, virara um tormento.
Quando a mãe trouxera o primeiro namorado para casa conversara com a filha brincaram, aprovou que ela trouxesse também seus namorados se quisesse a mãe até saia para deixá-la a vontade.Achou normal os namorados da mãe em casa, todos jovens, exceto um velho professor amigo de anos que as vezes ajudava financeiramente .Com alguns bebia muito se trancavam no quarto e ela e os visinhos escutavam o embate dos corpos, os gritos alucinados os palavrões que usava ao fazer amor, depois vieram muitos, alguns só por um dia.Agora aquilo, o que soubera é que o Clayton pedira dinheiro para drogas, sabia que a mãe consumia para fazer sexo com ele e saia do quarto com os olhos esvaziados de vida esgazeados de um êxtase nauseante.
Neste dia a mãe o acompanhara na boca como fazia nas ultimas semanas, ouvira-a dizer que estava quase sem nenhum, mas que podia levar umas jóias, Clayton rira e dissera, "-Que jóia mulhé so tem bijou...tudo merda...porque não "faiz "outro "boquete" nos pivete da favela e eles liberam uma farinha maior pra gente?-Pô lindo, faz isto comigo não, você não sente ciúme ? – Você gosta coroa...mas vamo nessa to seco... fico doido se não cheirar..." Saíram, o que aconteceu depois foi contado por outros amigos.
Na boca queriam negociar, queriam mais droga e nem com as jóias nem com a grana e a promessa de um boquete os "neguinhos" da boca do Buraco Quente deram mais.Ai a mãe falou que ia "dedar" eles "pros home" pra que mano, cobriram ela de porrada e o Clayton se safara dizendo que a coroa era pirada que ele não tinha nada a haver...os neguinho aliviaram mas mandaram ele se mandar.Com o corpo da coroa moído de pancada, humilhado de gazes, suor e sêmen, pegaram pelos braços e pernas e jogaram na calçada da avenida que margeia a favela.
O seu corpo ficou ali roto quase sem vida, ainda toda pintada, camuflando o sangue que escorria, não as profundas marcas da idade e sofrimento.Um motorista viu parou, pessoas da rua se acercaram e colocaram o corpo no carro.Sem ninguém notar outro carro os seguia, e dele descera um jovem ao entregarem o corpo quase sem vida na portaria do Hospital.Pelos documentos, e uma agenda chamaram os familiares, não sobrara nada: dinheiro celular nada,levaram tudo, só a velha agenda ficara na bolsa de adolescente que usava.
Um homem alto de meia idade entrou na sala de espera, a jovem levanta a senhora o olha. -Oh filho que coisa...que vergonha...que vergonha!!.A jovem se aninha nos braços abertos do pai abre um choro convulsivo, o homem a acaricia seus cabelos.Olhando para a Senhora –Vamos embora falei com o médico e não há nada que possamos fazer, traumatismo craniano, temos que aguardar como ela reage e precisamos descansar e rezar...a viagem foi longa vamos, a gente volta mais tarde.
Ninguém notou que na sala havia ficado o jovem nem viram ele entrar, ao saírem .O jovem abre a porta da "mini" UTI do hospital, faz um gesto para a enfermeira –Vão remover ? –Não a velha esta mal vão esperar a reação . Ela o conhecia. -Então "vaza", é boca mole.A moça obedece apreensiva sai da sala, ele ainda escuta a voz da avó, no corredor dizendo...-Uma perdida...é o que ela é uma per-di-da!!!.Chega próximo aos aparelhos, o balão de oxigênio e seu duto de plástico transparente que mantém um fio de vida naquele corpo maltratado é retorcido impedindo o oxigênio de circular, um pequeno tremor e o fio de vida se despede do corpo ele sai, deixando a velha senhora em companhia de sua morte...afinal era uma perdida.

(Gentilmente cedido pelo autor)


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