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Mostrando postagens de setembro, 2018

A Primeira Mulher do Nunes, Rubem Braga

          Hoje, pela volta do meio-dia, fui tomar um táxi naquele ponto da Praça Serzedelo Correia, em Copacabana. Quando me aproximava do ponto notei uma senhora que estava sentada em um banco, voltada para o jardim; nas extremidades do banco estavam sentados dois choferes, mas voltados em posição contraria, de frente para o restaurante da esquina. Enquanto caminhava em direção a um carro, reparei, de relance, na relance, na senhora.           Era bonita e tinha ar de estrangeira; vestia-se com muita simplicidade, mas seu vestido era de um linho bom e as sandálias cor de carne me pareceram finas. De longe podia parecer amiga de um dos motoristas; de perto, apesar da simplicidade de seu vestido, sentia-se que nada tinha a ver com nenhum dos dois. Só o fato de ter sentado naquele banco já parecia indicar tratar-se de uma estrangeira, e não sei por que me veio a idéia de que era uma senhora que nunca viveu no Rio, talvez estivesse em seu primeiro dia de Rio de Janei

Lua Bonita, Zé do Norte

Lua bonita Se tu não fosse casada Eu preparava uma escada Pra ir no céu te beijar Se colasse teu frio Com meu calor Pedia a Nosso Senhor Para contigo casar Lua bonita Me faz aborrecimento Ver São Jorge num jumento Pisando teu quilarão Pra que casaste Com homem tão sisudo Que come dorme e faz tudo Dentro do teu coração

Canção do Dia de Sempre, Mário Quintana

Tão bom viver dia a dia... A vida assim, jamais cansa... Viver tão só de momentos Como estas nuvens no céu... E só ganhar, toda a vida, Inexperiência... esperança... E a rosa louca dos ventos Presa à copa do chapéu. Nunca dês um nome a um rio: Sempre é outro rio a passar. Nada jamais continua, Tudo vai recomeçar! E sem nenhuma lembrança Das outras vezes perdidas, Atiro a rosa do sonho Nas tuas mãos distraídas... Fonte: Português - Uol Imagem: Drummond (de pé) e Mário Quintana - Praça da Alfândega, Porto Alegre obra do Francisco Stockinger **

María de la O Lejárraga, Talento por Tras de Um Nome Masculino

       Escreveu em silêncio, na solidão entre quatro paredes, longe dos aplausos para as peças que saíam de sua pluma. Seu nome é uma ausência, uma sombra, um vazio e uma história dolorosa. María de la O Lejárraga (San Millán de la Cogolla, 1874 - Buenos Aires, 1974) atravessou um século inteiro e foi uma dessas mulheres brilhantes e pioneiras da Idade de Prata da cultura espanhola. Romancista, dramaturga, ensaísta, tradutora, feminista e, no entanto, ausente das capas de seus livros. O nome que lemos é o de seu marido, Gregorio Martínez Sierra, que recebia elogios nas estreias de Canción de Cuna , El Amor Brujo e El Sombrero de Tres Picos , de Manuel de Falla, enquanto a autora e libretista esperava em casa.      Nestes tempos em que a história da criação parece estar reparando esquecimentos e variando a bússola do cânone oficial, a figura de María Lejárraga retorna com sede de justiça poética. A recuperação de seu nome na capa de sua obra é o rec

Mar, Rubem Braga

     A primeira vez que vi o mar eu não estava sozinho. Estava no meio de um bando enorme de meninos. Nós tínhamos viajado para ver o mar. No meio de nós havia apenas um menino que já o tinha visto. Ele nos contava que havia três espécies de mar: o mar mesmo, a maré, que e menor que o mar, e a marola, que é menor que a maré. Logo a gente fazia ideia de um lago enorme e duas lagoas. Mas o menino explicava que não. O mar entrava pela maré e a maré entrava pela marola. A marola vinha e voltava. A maré enchia e vazava. O mar às vezes tinha espuma e às vezes não tinha. Isso perturbava ainda mais a imagem.       Três lagoas mexendo, esvaziando e enchendo, com uns rios no meio, às vezes uma porção de espumas, tudo isso muito salgado, azul, com ventos. Fomos ver o mar. Era de manhã, fazia sol. De repente houve um grito o mar! Era qualquer coisa de larga, de inesperado. Estava bem verde perto da terra, e mais longe estava azul. Nós todos gritamos, numa gritaria infernal, e saí

Não Existe Mais Censura. O Problema Agora é Outro. Suzana Valença

  Estamos tão inundados de informações que a censura deixou de fazer sentido como uma forma de controlar os que as pessoas sabem ou não. Quem defende essa ideia é o historiador Yuval Harari , autor do campeão de vendas Sapiens.  A revista Wired publicou trechos do próximo livro de Harari . Neles, o israelense fala sobre como educar as crianças de hoje para que elas sejam capazes de trabalhar e entender o mundo em 2050.       Para dar essas habilidades à nova geração será preciso repensar a forma como passamos adiante nossos conhecimentos. Para Harari, até pouco tempo, o desafio era superar a falta de informação. Hoje, temos que lidar com o excesso dela e ele acha que será assim também no futuro.      Aí é que entra a questão da censura. Harari argumenta que governos, regimes ou instituições não conseguem mais bloquear que informações chegam até os cidadãos. Não dá mais para fazer isso. A nova tática então, é se aproveitar do excesso. Em vez de censurar uma no

Digo: Lisboa, Sophia de Mello Breyner Andressen

  Digo: “Lisboa” Ponte Vasco da Gama Quando atravesso – vinda do sul – o rio E a cidade a que chego abre-se como se do seu nome nascesse Abre-se e ergue-se em sua extensão noturna Em seu longo luzir de azul e rio Em seu corpo amontoado de colinas – Vejo-a melhor porque a digo Tudo se mostra melhor porque digo Tudo mostra melhor o seu estar e a sua carência Porque digo Lisboa com seu nome de ser e de não-ser Com seus meandros de espanto insónia e lata E seu secreto rebrilhar de coisa de teatro Seu conivente sorrir de intriga e máscara Enquanto o largo mar a Ocidente se dilata Lisboa oscilando como uma grande barca Lisboa cruelmente construida ao longo da sua própria ausência Digo o nome da cidade – Digo para ver.    

Caio Fernando Abreu

Tenho trabalhado tanto, mas sempre penso em você. Mais de tardezinha que de manhã, mais naqueles dias que parecem poeira assenta e com mais força quando a noite avança. Não são pensamentos escuros, embora noturnos… Sabe, eu me perguntava até que ponto você era aquilo que eu via em você ou apenas aquilo que eu queria ver em você. Eu queria saber até que ponto você não era apenas uma projeção daquilo que eu sentia, e se era assim, até quando eu conseguiria ver em você todas essas coisas que me fascinavam e que no fundo, sempre no fundo, talvez nem fossem suas, mas minhas, e pensava que amar era só conseguir ver, e desamar era não mais conseguir ver, entende? Eu quis tanto ser a tua paz, quis tanto que você fosse o meu encontro. Quis tanto dar, tanto receber. Quis precisar, sem exigências. E sem solicitações, aceitar o que me era dado. Sem ir além, compreende? Não queria pedir mais do que você tinha, assim como eu não daria mais do que dispunha, por limitação humana. Mas o

Sol de Primavera, Beto Guedes

Quando entrar setembro E a boa nova andar nos campos Quero ver brotar o perdão Onde a gente plantou Juntos outra vez Já sonhamos juntos Semeando as canções no vento Quero ver crescer nossa voz No que falta sonhar Já choramos muito Muitos se perderam no caminho Mesmo assim não custa inventar Uma nova canção Que venha nos trazer Sol de primavera Abre as janelas do meu peito A lição sabemos de cor Só nos resta aprender Ouça a canção

Crônica da Independência, Antonio Carlos de Faria

     Tudo aconteceu por aqui. Naquela noite o jovem imperador brasileiro recebeu a visita do seu almirante escocês. Lorde Cochrane chegou enfurecido pois soube que uma inspeção seria realizada no dia seguinte no navio capitânia, em busca de dinheiro que ele supostamente havia escondido de D. Pedro 1º. O imperador, que estava de cama, deixou seus aposentos e veio para a sala de recepção do Palácio de São Cristóvão, este que estamos visitando hoje, quase dois séculos depois. Conversou com o almirante e o tranquilizou. Disse que tinha confiança em seus serviços. Além disso, acrescentou D. Pedro, nada poderia ser feito no dia seguinte, pois ele, o imperador, estaria doente. Diante do bom humor e da disposição física de D. Pedro, o almirante pensou que a alegada doença era apenas mais um ardil no jogo político que ainda tornava instável a recente independência brasileira. No dia seguinte, naquele junho de 1824, o povo ficou sabendo que D. Pedro estava se recuperan

15 melhores Obras dos 15 Últimos Nobel

A Revista Bula , selecionou as 15 obras importantes dos 15 últimos ganhadores do Premio Nobel de Literatura. Vamos ver?     2003 J. M. Coetzee, Desonra (1999) Lurie é um professor de literatura que não sabe como conciliar sua formação humanista, seu desejo amoroso e as normas politicamente corretas da universidade onde leciona. Mesmo sabendo do perigo, ele assedia uma aluna. Acusado de abuso, é expulso da instituição e decide passar uns dias na propriedade rural da filha, Lucy. No campo, o homem atormentado tem contato com a brutalidade e o ressentimento da África do Sul pós-apartheid. 2004 Elfriede Jelinek, A Pianista (1988) Aos 36 anos, uma professora de piano frustrada com a carreira ainda vive com a mãe, com quem mantém uma relação de amor e ódio. Certo dia, o pior pesadelo da mãe se materializa: um estudante de música se apaixona pela filha. Ao se envolver com o rapaz em uma relação masoquista, a pianista inicia uma verdadei

Me Encante Com Uma Certa Calma, Silvana Duboc

Me encante da maneira que você quiser,  como você souber. Me encante, para que eu possa me dar… Me encante nos mínimos detalhes. Saiba me sorrir: aquele sorriso malicioso, Gostoso, inocente e carente. Me encante com suas mãos, Gesticule quando for preciso. Me toque, quero correr esse risco. Me acarinhe se quiser… Vou fingir que não entendo, Que nem queria esse momento. Me encante com seus olhos… Me olhe profundo, mas só por um segundo. Depois desvie o seu olhar. Como se o meu olhar, Não tivesse conseguido te encantar… E então, volte a me fitar. Tão profundamente, que eu fique perdido. Sem saber o que falar… Me encante com suas palavras… Me fale dos seus sonhos, dos seus prazeres. Me conte segredos, sem medos, E depois me diga o quanto te encantei. Me encante com serenidade… Mas não se esqueça também, Que tem que ser com simplicidade, Não pode haver maldade. Me encante com uma certa calma, Sem pressa. Tente entender a minha alma. Me encante como você f