Ruth Rocha escreveu um
simpático livro mostrando a briga entre dois homens (Teimosinho e Mandão) que,
mesmo estando cada um sentado num barril de pólvora e com uma vela acesa na mão, ambos correndo exatamente o mesmo risco, exigiam que o outro apagasse a vela para que
ele não explodisse, mas não queriam apagar a própria para o outro não explodir.
Depois, ainda sentados nos seus barris e ambos de vela na mão, eles brigam por
causa da cor da camisa do outro. Sem, em momento algum, considerarem o barril e
a vela como o real perigo para ambos, eles ainda pedem aos filhos que tragam as
bombas guardadas em suas casas. São atendidos. Então, um deles espirra, o outro
se assusta, derruba a vela e faz tudo explodir.
Agora é a minha vez. (Quero
imaginar como essa história escrita em 1983 pode nos ajudar a pensar o Brasil
de hoje).
Dividindo em partes iguais,
coloquei no barril do Teimosinho e do Mandão o que temos visto no país desses
idiotas desenhados por jaguar: Corrupção na Petrobras; Corrupção no BNDES;
Inflação acumulada; IPCA de 4,08% (crescendo); Estiagem de 7 anos no NE seguida
de enchentes com milhares de desabrigados; Enchente também no RS; 13,5 milhões
de desempregados (IBGE); Centenas de obras paralisadas em diversos lugares e em
todas as regiões.
Esses sete itens afetam muito
cada um de nós individual e coletivamente. Evidentemente, prejudicando mais quem é mais pobre.
Se a gente se detiver só a esses dados que citei, já temos problemas
impactantes no país inteiro, sem a menor exceção.
São problemas grandes pela extensão, duração, difícil solução, e tudo quanto for de mais “ão” que a gente imaginar.
São problemas grandes pela extensão, duração, difícil solução, e tudo quanto for de mais “ão” que a gente imaginar.
Bem, juntei e misturei tudo.
Dividi o bolo de problemas em partes exatamente iguais e coloquei metade no
barril do Teimosinho e a outra metade no barril do Mandão da história de Ruth
Rocha.
Fiquei olhando os dois, sentados
cada qual em seu barril, ambos com uma vela na mão. Brigando e teimando. Dando ordens. Alertando
para o perigo da vela na mão do outro. Implicando com a cor da camisa e por
causa dela, sim, por causa da cor da camisa, desprezando o conteúdo do
barril.
A inflação de cada barril
continua prejudicando os dois, mas a cor das camisas é que é o problema;
O IPCA crescendo faz com que os
dois possam comprar menos, mas a cor da camisa continua revoltando;
Os desempregados continuam como
estão e no meio deles filhos e amigos dos dois idiotas, mas a cor da camisa de
um irrita o outro;
As chuvas torrenciais no RS
prejudicam a produção de alimentos incluindo, talvez, a produção da maçã que
cada um come, mas a cor azul de uma camisa irrita o outro;
Milhares de estudantes estão sem
aulas porque desabrigados precisam de suas salas pra não serem levadas pelas águas
dos rios que encheram demais, mas um Teimosinho e um Mandão continuam, e se
esmeram nisso, insistindo em fechar os olhos a ponto de não verem suas velas
queimarem o que realmente importa.
Ninguém chegou para dizer aos
idiotas que, com o que eles têm dentro de seus barris, não há mais tempo para
briga por camisa, por exemplo.
De minha parte, depois que reli o
livro Dois Idiotas Sentados Cada Qual Em Seu Barril e estando absolutamente
cansada de ativismo de Facebook, vou procurar com muito mais empenho o que
realmente importa. E, com certeza, o que
me importa não é direita ou esquerda, coxinha ou mortadela. É o barril de pólvora em que eu e todos os
brasileiros estamos sentados e com as velas que carregamos nas mãos.
Dois Idiotas Sentados Cada Qual Em Seu Barril
Ruth Rocha
Ilustração: Jaguar
Ano: 1983
Ed. Nova Fronteira
Dois Idiotas Sentados Cada Qual Em Seu Barril
Ruth Rocha
Ilustração: Jaguar
Ano: 1983
Ed. Nova Fronteira
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