escritora moçambicana Paulina Chiziane, 67, recebeu oficialmente a láurea nesta sexta-feira, em Lisboa. Em discurso na cerimônia, a ganhadora do prêmio de 2021 pediu a descolonização da língua portuguesa.
"É na língua portuguesa que eu expresso os meus sentimentos e me afirmo diante do mundo. Mas eu gostaria que a língua fosse de todos", afirmou. "A língua portuguesa, para ser definitivamente nossa, precisa de um tratamento, de uma limpeza, de uma descolonização", completou.
"Somos usurpados, os africanos, por estes e por aqueles, porque os rastros da nossa história foram apagados através dos tempos. Estamos à deriva, não sabemos bem quem somos e, por isso, somos facilmente manipulados pelo mundo. O autoconhecimento tem de ser a chave para o sucesso de quem quer que seja", assinalou.
A autora aproveitou para relembrar sua infância modesta, "vinda de lugar nenhum", escrevendo as primeiras palavras na areia da praia e ganhando o primeiro par de sapato aos 10 anos.
"Para quem vem do chão, estar aqui diante do governo português, do governo brasileiro, do corpo diplomático e de várias personalidades é algo que me comove profundamente. Caminhei sem saber para onde ia, mas cheguei a algum lugar, que é este prêmio", completou.
Considerada uma das principais vozes da literatura africana, Chiziane acumula pioneirismos. Em 1990, ela se tornou a primeira mulher a publicar um romance em Moçambique, com "Balada de Amor ao Vento".
O sucesso internacional se consolidou com "Niketche: Uma História de Poligamia", em que Chiziane aborda com sarcasmo a vida de um polígamo, o tabu das relações extraconjugais e a hipocrisia da sociedade moçambicana em torno do tema.
Suas obras são conhecidas por protagonistas femininas fortes e muitas referências à história de Moçambique. Além dos romances, ela também é autora de poesias e, mais recentemente, de composições musicais.
Em intervenção durante o evento, o primeiro-ministro de Portugal, António Costa, exaltou a obra da autora.
"Os livros de Paulina Chiziane retratam experiências e realidades muito particulares da sociedade moçambicana. Através deles, ficamos sabendo das diferenças culturais entre o Norte o Sul, os traumas da guerra civil, as suas tradições ancestrais, os dilemas do povo moçambicano, os seus modos e as suas aspirações", afirmou.
Em mensagem de vídeo exibida no evento, a ministra da Cultura brasileira, Margareth Menezes, também ressaltou o universalismo da obra da autora e simbolismo de sua escolha. "Para mim, como primeira mulher negra a assumir o Ministério da Cultura do Brasil, também é muito simbólico e significativo vivenciar este momento em que pela primeira vez temos uma escritora negra premiada com Camões".
Anunciada como vencedora do prêmio em outubro de 2021,Chiziane demorou a receber oficialmente a láurea devido ao imbróglio envolvendo Chico Buarque, ganhador da edição de 2019, e o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Tradicionalmente, as cerimônias seguem a ordem cronológica de premiação. Como o ex-mandatário brasileiro se recusava a assinar o diploma da vitória de Chico, formou-se uma fila de laureados à espera de seus eventos.
A entrega do prêmio a Chiziane aconteceu poucas semanas depois de o compositor brasileiro ter seu Camões assinado e entregue pelo presidente Luíz Inácio Lula da Silva, também em Portugal.
Vencedor em 2020, o escritor português Vítor Aguiar e Silva morreu sem ter uma cerimônia formal de entrega.
Iniciativa conjunta de Portugal e do Brasil, o prêmio Camões é atribuído anualmente desde 1988, firmando-se, desde então, como maior distinção da literatura em língua portuguesa. Cada vencedor recebe 100 mil euros, valor dividido entre o governo luso e a Fundação Biblioteca Nacional, vinculada ao Ministério da Cultura brasileiro.
O júri é sempre composto por seis elementos: dois do Brasil, dois de Portugal e dois de países africanos.
Matéria de:Giuliana Miranda para Cultura ao Minuto (Folha Press)
Comentários
Postar um comentário
comentários ofensivos/ vocabulário de baixo calão/ propagandas não são aprovados.