Ela guardava as palavras debaixo da almofada.Na segunda gaveta da cómoda de cerejeira.Não as deixava fugir das páginas dos livros.Saboreava- as ao pequeno almoço com o pão com manteiga.Roubava-as às pessoas que passavam por ela e não sentia remorsos.Escondia-as no frigorífico para que se mantivessem frescas. Como alfaces.Semeava-as em vasos de barro e esperava, pacientemente, que florescessem.Colhia-as quando deambulava pela cidade grande.Nas catedrais. Nos becos dos bairros de ruelas estreitas.Nas frestas das fachadas dos prédios pombalinos.Até nos elevadores que a levavam aos miradouros para descansar o olhar.Nos museus e nos monumentos de pedra bordados.Dela saíam palavras pelo decote. Dos sacos das compras.Do cabelo pintado da cor das papoilas. Das gargalhadas.Ele apareceu na vida dela e foi amor à terceira vista.Ele prometeu-lhe um mundo. O seu.Fez-lhe uma serenata.Mas ela só lhe disse, tristemente, aquele amor era impossível.Ela era poesia. Ele não sabia ler.
(Fonte: Mala d'estórias - facebook)
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