Oi, Mar. Meu nome é Eu, diz a mulher. Não nos encontrávamos há tempos. Você deve ter se esquecido
de mim. Essa nossa re-união só foi possível graças aos cientistas, sabia? O mar pergunta: Cientistas astronautas? Não, ela responde, médicos, farmacêuticos, pesquisadores, enfermeiros… Que alegria ver essa praia voltando à vida, prossegue o mar cheio de bossa, bem vindos ao nosso re-encontro cármico! Olhe, Mar, aquela é a Clarice, ali no alto, vês? Vou lá falar com ela. Deseje-me boa sorte! Pouco depois: Clarice, a mulher agora está ao lado da famosa estátua de bronze, chego com uma proposta e uma história. Você quer ser minha amiga? Tenho algo a te oferecer e não é pouco. Ouça, é ouro o que te ofereço, poeta (é isso o que ela é!). Dar-te-ei a receita de biscoitos de queijo da minha tia Celuta. Tia Celuta fazia biscoitos e aos domingos lasanha que eu, meus pais e irmãos comíamos após a missa das 10, na Igreja Imaculado Coração de Maria. Minha tia morreu carola, Clarice, e dizem que virgem também. Ela ocupava o extremo oposto da linha existencial que separa mulheres como ela de mulheres como você, e ao mesmo tempo as interliga, porque todas as mulheres são uma só, você não concorda? Um útero as faz iguais ainda que nem todas sejam mães! Mas não é apenas coisa de anatomia, não, é o caráter transformador de uma condução-amorosa de que só as mulheres são capazes. A minha tia foi amabilíssima como chuva que cai fina, sem parar. Lembro do cheiro de talco e de uma quase tristeza demais. Anônima em suas constantes preocupações domésticas e com os sobrinhos e irmãos que ela reunia na garagem da casa, no centro da cidade, tia Celuta foi uma santa. Você, nada anônima, surpreendentemente brilhante, tinha cuidados femininos idem. Outro dia, li uma coisa que podia ter sido escrita por você: “Se tiver Deus” (foi?), você vai estar junto Dele, Clarice, e também meu pai, que escreveu a vida toda, e minha tia Celuta. (Isso não vai ter fim sem que eu chore). Ao visitar você, indelével e dura, sei que a estátua é apenas o que era o corpo, e sei que você inteira é muito mais. Creio que na eternidade você tenha escrito já algumas linhas sobre ser agora uma gigante, com uma estátua de bronze. Você é necessária para mim, Clarice. Note meu olhar respeitoso na fotografia. Imaginei outras reações minhas antes do grande dia, pensei em dar-te um beijo ou um abraço, ficar em silêncio ou abrir os braços para a brisa do Atlântico. Poderia acariciar o cão, e tudo o que fiz foi me sentar circunspecta diante de você e te fixar, eu também parada, eu também imóvel. Acho que mal sorri. Mais certo é que chorei pequeno pra ninguém notar. Escolhi te olhar como amiga e conversar. O lugar é a Mureta do Leme, bairro onde você morou por mais de uma década no Rio de Janeiro, onde eu não ía desde minha juventude e que continua com toda a sorte de gentes a ocupar o espaço da areia democraticamente, onde você tantas vezes se sentou para ler e ouvir os anjos. Ou os seus próprios demônios. Talvez por você eu tenha visto coisas que não veria. Talvez por meu pai eu tenha sido alguém que não seria. Vai saber. Eu tenho tudo o que preciso! Desço morros sem medo de cair, alimento o sonho quando percebo que posso ir adiante, reduzo a intensidade dos desejos se sei que ela pode me ferir. E tento ser gentil, gentil?! Gentil como meu pai queria que eu fosse; e forte, forte?! Forte como minha mãe é, violenta vivendo. O tempo perto do mar lembrou-me que meu pai gostava de boiar na água, momentos em que nadávamos juntos e ele voava, levado para o espaço de tão afortunado. Essa viagem me fez um bem danado, ou abençoado. Ao ver o Cristo Redentor do carro, os garotos soltaram um grito e eu me encolhi de emoção, e sem coragem de me mover para não perder o instante, permaneci inarredável como uma estátua de bronze, com filhos e marido ao redor de mim me fitando. Outra vez voltaremos ao Rio e à Mureta da Clarice e do cachorro Ulisses. Outra vez verei meu pai e minha tia Celuta e iremos direto nos banhar na água de sal de uma encosta qualquer, paisagem cor azul e verde, céu repleto de gaivotas com bicos abertos fortes longos vermelhos famintos... Disso eu sei!
de mim. Essa nossa re-união só foi possível graças aos cientistas, sabia? O mar pergunta: Cientistas astronautas? Não, ela responde, médicos, farmacêuticos, pesquisadores, enfermeiros… Que alegria ver essa praia voltando à vida, prossegue o mar cheio de bossa, bem vindos ao nosso re-encontro cármico! Olhe, Mar, aquela é a Clarice, ali no alto, vês? Vou lá falar com ela. Deseje-me boa sorte! Pouco depois: Clarice, a mulher agora está ao lado da famosa estátua de bronze, chego com uma proposta e uma história. Você quer ser minha amiga? Tenho algo a te oferecer e não é pouco. Ouça, é ouro o que te ofereço, poeta (é isso o que ela é!). Dar-te-ei a receita de biscoitos de queijo da minha tia Celuta. Tia Celuta fazia biscoitos e aos domingos lasanha que eu, meus pais e irmãos comíamos após a missa das 10, na Igreja Imaculado Coração de Maria. Minha tia morreu carola, Clarice, e dizem que virgem também. Ela ocupava o extremo oposto da linha existencial que separa mulheres como ela de mulheres como você, e ao mesmo tempo as interliga, porque todas as mulheres são uma só, você não concorda? Um útero as faz iguais ainda que nem todas sejam mães! Mas não é apenas coisa de anatomia, não, é o caráter transformador de uma condução-amorosa de que só as mulheres são capazes. A minha tia foi amabilíssima como chuva que cai fina, sem parar. Lembro do cheiro de talco e de uma quase tristeza demais. Anônima em suas constantes preocupações domésticas e com os sobrinhos e irmãos que ela reunia na garagem da casa, no centro da cidade, tia Celuta foi uma santa. Você, nada anônima, surpreendentemente brilhante, tinha cuidados femininos idem. Outro dia, li uma coisa que podia ter sido escrita por você: “Se tiver Deus” (foi?), você vai estar junto Dele, Clarice, e também meu pai, que escreveu a vida toda, e minha tia Celuta. (Isso não vai ter fim sem que eu chore). Ao visitar você, indelével e dura, sei que a estátua é apenas o que era o corpo, e sei que você inteira é muito mais. Creio que na eternidade você tenha escrito já algumas linhas sobre ser agora uma gigante, com uma estátua de bronze. Você é necessária para mim, Clarice. Note meu olhar respeitoso na fotografia. Imaginei outras reações minhas antes do grande dia, pensei em dar-te um beijo ou um abraço, ficar em silêncio ou abrir os braços para a brisa do Atlântico. Poderia acariciar o cão, e tudo o que fiz foi me sentar circunspecta diante de você e te fixar, eu também parada, eu também imóvel. Acho que mal sorri. Mais certo é que chorei pequeno pra ninguém notar. Escolhi te olhar como amiga e conversar. O lugar é a Mureta do Leme, bairro onde você morou por mais de uma década no Rio de Janeiro, onde eu não ía desde minha juventude e que continua com toda a sorte de gentes a ocupar o espaço da areia democraticamente, onde você tantas vezes se sentou para ler e ouvir os anjos. Ou os seus próprios demônios. Talvez por você eu tenha visto coisas que não veria. Talvez por meu pai eu tenha sido alguém que não seria. Vai saber. Eu tenho tudo o que preciso! Desço morros sem medo de cair, alimento o sonho quando percebo que posso ir adiante, reduzo a intensidade dos desejos se sei que ela pode me ferir. E tento ser gentil, gentil?! Gentil como meu pai queria que eu fosse; e forte, forte?! Forte como minha mãe é, violenta vivendo. O tempo perto do mar lembrou-me que meu pai gostava de boiar na água, momentos em que nadávamos juntos e ele voava, levado para o espaço de tão afortunado. Essa viagem me fez um bem danado, ou abençoado. Ao ver o Cristo Redentor do carro, os garotos soltaram um grito e eu me encolhi de emoção, e sem coragem de me mover para não perder o instante, permaneci inarredável como uma estátua de bronze, com filhos e marido ao redor de mim me fitando. Outra vez voltaremos ao Rio e à Mureta da Clarice e do cachorro Ulisses. Outra vez verei meu pai e minha tia Celuta e iremos direto nos banhar na água de sal de uma encosta qualquer, paisagem cor azul e verde, céu repleto de gaivotas com bicos abertos fortes longos vermelhos famintos... Disso eu sei!
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