Um dia eu estava tão chateada que não queria nem levantar. Acordei e, da cama mesmo, comecei a trocar mensagens com a minha amiga Bruna Cruz sobre a situação que estava me deixando estressada. Comentando sobre as pessoas ao meu redor naquela ocasião, Bruna me disse algo que voltou a fazer muito sentido agora que estamos todos em isolamento. Ela falou, “amiga, algumas pessoas não conseguem ficar consigo mesmas”. Não é verdade?
Naquele dia, eu estava triste sobre algumas pessoas, aparentemente, não terem interesse em passar tempo comigo. O que minha amiga lembrou é que, muitas vezes, as dificuldades são internas, não externas. Nós não sabemos ficar com nós mesmos. Não temos paciência. Não conseguimos nos ouvir, nos entender, nos tolerar.
Antes da minha amiga, outra pessoa muito inteligente transmitiu a mesma ideia com outras palavras. “A infelicidade de um homem começa com a incapacidade de estar a sós, consigo mesmo, num quarto”, cravou o matemático e filósofo francês Blaise Pascal.
Quando as primeiras recomendações sobre o isolamento social começaram a ser noticiadas, eu estava muito tranquila. Já tinha decidido ficar em casa mesmo. No domingo, iríamos para um almoço em família e eu ia conhecer uma prima, sobrinha muito querida da minha mãe, com quem eu nunca tinha falado pessoalmente. Coisas de família grande. No sábado, eu e meu marido tínhamos um compromisso com a família dele. Planejando a agenda eu tinha dito que esses passeios seriam a nossa “despedida”, que depois dessas saídas era melhor ficarmos em casa, até para ajudar os outros no meio da agonia toda. Dito e feito, poucos dias depois de concordarmos em nos auto isolar, os estabelecimentos começaram a fechar as portas, os eventos foram sendo suspensos e a orientação da quarentena foi estabelecida oficialmente.
Talvez por eu mesma ter decidido me quarentenar, não senti o baque da obrigação. Quando, pouco depois, muitos ao meu redor foram se mostrando muito estressados com as restrições, eu fiquei até irritada. “Não é possível que depois de três dias todo mundo já está surtando!?”.
Agora parece que já faz uns 100 anos que estamos em casa, não é? Com um século para pensar kkkk pude entender melhor o aperreio dos outros. Minha mãe ofereceu uma boa explicação (“Não são três dias que estão estressando as pessoas, é a expectativa de muitos outros dias”), mas eu também li muita informação que me fez compreender melhor o problema.
Um dos complicadores é, com certeza, o fato de não sabermos passar tempo com nós mesmos. Uma das minhas comediantes favoritas, Alice Fraser, comentou sobre o isolamento no podcast The Bugle e brincou que a pior parte era ter que ficar em casa sozinha com ela. “Descobri que sou uma péssima companhia!”.
Eu tenho certeza que você não é péssima companhia. Ainda sou daquelas que acredita na humanidade, então, na minha matemática, 99% de nós somos legais. Temos nossos defeitinhos mas shhhh ninguém precisa saber. Tenho certeza que passar tempo com você é legal ou, no mínimo, ok. Então, por que não conseguimos?
Acho que não conseguimos porque não somos treinados para isso. Alguns de nós estamos muito ocupados. Ficaríamos, talvez, surpresos em descobrir que somos pessoas agradáveis seu tirássemos um tempinho para investigar essa possibilidade. No outro extremos, alguns de nós usamos toda e qualquer desculpa para fugirmos de nós mesmos. De algo que está dentro e nós não queremos ver.
Estou preparando uma série de posts sobre “como conversar com você mesmo” e essa fuga para fora será um dos temas, então, aguarda um pouquinho que já vamos falar sobre isso melhor (uhhhh suspense).
Por enquanto, volto para o meu cálculo otimista. Acho que a maioria de nós é OK. E eu digo OK como elogio super ultra massa, tá bom? Ser OK nesse mundo tão doido já é muita coisa. Não fomos ensinados a parar, a respirar a olhar para dentro e dar uma espiadinha. Estamos sempre super estimulados como sons, cores, luzes, vozes. Parar e ficar sozinho com nós mesmos é um téeeeedio danado. Mas pode ser legal também. Quando o instinto de se mexer, de pensar em outra coisas, de cutucar no celular, for passando, aproveita para se aproveitar um pouquinho. Eu garanto que você vai estar em boa companhia.
Que lindo final para o texto… mas aposto que tem alguém aí pensando um “até parece!”, então, vamos continuar…
Sim, você é boa companhia mas vai ter uns desafios aí, eu sei. Há alguns anos eu deixei de trabalhar em uma agência de comunicação para trabalhar sozinha em casa. Não foi fácil. Os primeiros dias (semanas? meses?) sem rotina foram quase enlouquecedores. Para piorar, eu tinha uma voz interior que insistia em em dizer que tudo o que estava fazendo estava errado. Não existia alguém mais burra, desorganizada e fracassada do que eu na minha mente. Um “truque” que eu aprendi com a meditação salvou a minha vida. O macete é “ver” o pensamento, simplesmente dizer “ok”, e continuar. Eu tinha só que acordar, ouvir a voz dizendo que eu já tinha acordado errado (sei lá como, pergunta pra ela), dizer “ah tá”, e ir viver o meu dia. No começo eu tinha que fazer isso um milhão de vezes. Com o tempo, a voz sumiu.
Talvez, nesse isolamento, alguma voz assim esteja sondando a sua mente. Quando você estiver sozinho com os seus próprios pensamentos e começar a lembrar daquela burrada que você fez uma vez, daquele medo horrível que você não quer enfrentar, daquela dúvida enorme que você gostaria que desaparecesse, olhe bem na cara do sentimento ruim e diga “ok”. A meditação é um exercício eterno de enxergar sua própria mente, reconhecer o que está nela, e seguir em frente.
Na quarentena, literalmente, não temos para onde correr. As opções para se ocupar ou se distrair estão restritas. A má notícia é que estamos presos em casa com nós mesmos. A boa notícia é que sempre estivemos assim mesmo. Não importa onde estejamos, lá estamos nós. Vamos fazer as pazes com o que temos dentro de nós?
Li um livro que falava muito sobre “ser você mesmo para florescer na vida”. Muito lindo, né? Mas o danado do livro não explicava o que era esse “florecer”. A verdade é que não existe uma resposta e nós temos que inventá-la. E acredito que a única forma de começar a fazer isso é olhando para dentro com calma, com paciência, e coragem mesmo. Vamos encontrar pontos desagradáveis em nós. Só hoje eu encontrei preguiça, culpa, chateação. Mas vamos achar muitas características boas. Dias desses eu aprendi que sou resiliente.
Posso deixar uma sugestão? Olhe para si mesmo e me fala: quem está aí dentro?
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O texto com postagem autorizada pela autora pode ser lido em Medium
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