Pular para o conteúdo principal

Precisava Ter Um Nome, Marin Sorescu

Tília L .
Eminescu não existiu.


Existiu apenas um formoso país
a uma margem de mar
onde as ondas fazem chacos brancos
como uma barba despenteada de imperador.
E as águas entre as árvores em corredeira
onde a lua tinha seu ninho gigante.

e, sobretudo, existiram homens simples
que se chamavam: Mircea, o velho,
                             Stefan, o Grande,
ou ainda mais simples: pastores e lavradores,
que gostam de declamar
à noite, em torno da fogueira, poesias -
"Mioritza","Luceafarull"e "A Terceira Epístola".

Mas, porque ouviam continuamente
ladrando em seus quintais os cães,
partiam, a se debater com os tártaros
e com os avaros e com os hunos e com os
polacos
e com os turcos.



Durante o tempo que lhes restava livre
entre dois perigos,
esses homens faziam as suas flautas
beirais
para as lágrimas das pedras comovidas,
se vertiam as canções melancólicas pelo vale
pelos montes da Moldávia e da Muntênia
e do país de Barsa e do país de Vrancea
e de outros países romenos.

Também existiram densos bosques
e um jovem que conversava com eles,
perguntando-lhes: o que se balança sem 
vento?

Este jovem de olhos grandes
como a nossa história
passava pesado de pensamentos
do livro cirílico ao livro da vida,
a contar os pinheiros da luz, da justiça,
                                                do amor,
caminhando sempre sem companhia.

Também existiam algumas tílias,
e dois enamorados
que lhes colhiam todas as flores
num beijo.
E alguns pássaros ou algumas nuvens
que sempre adejavam sobre ele
quais longas e ondulantes campinas.

E porque tudo isso
precisava ter um nome,
um único nome,
chamou-se-lhe
Eminescu.

Sorescu, Marin; Razão e Coração;tradução Luciano Maia, Fortaleza 2014, págs.11-13.
Imagem: russobras 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di

Mãe É Quem Fica, Bruna Estrela

           Mãe é quem fica. Depois que todos vão. Depois que a luz apaga. Depois que todos dormem. Mãe fica.      Às vezes não fica em presença física. Mas mãe sempre fica. Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver. Uma parte sempre fica.      Fica neles. Se eles comeram. Se dormiram na hora certa. Se brincaram como deveriam. Se a professora da escola é gentil. Se o amiguinho parou de bater. Se o pai lembrou de dar o remédio.      Mãe fica. Fica entalada no escorregador do espaço kids, pra brincar com a cria. Fica espremida no canto da cama de madrugada pra se certificar que a tosse melhorou. Fica com o resto da comida do filho, pra não perder mais tempo cozinhando.      É quando a gente fica que nasce a mãe. Na presença inteira. No olhar atento. Nos braços que embalam. No colo que acolhe.      Mãe é quem fica. Quando o chão some sob os pés. Quando todo mundo vai embora.      Quando as certezas se desfazem. Mãe

Aprenda a Chamar a Polícia, Luis Fernando Veríssimo

          Eu tenho o sono muito leve, e numa noite dessas notei que havia alguém andando sorrateiramente no quintal de casa. Levantei em silêncio e fiquei acompanhando os leves ruídos que vinham lá de fora, até ver uma silhueta passando pela janela do banheiro.                   Como minha casa era muito segura, com  grades nas janelas e trancas internas nas portas, não fiquei muito preocupado, mas era claro que eu não ia deixar um ladrão ali,espiando tranquilamente. Liguei baixinho para a polícia, informei a situação e o meu endereço. Perguntaram- me se o ladrão estava armado ou se já estava no interior da casa.            Esclareci que não e disseram-me que não havia nenhuma viatura por perto para ajudar, mas que iriam mandar alguém assim que fosse possível. Um minuto depois liguei de novo e disse com a voz calma: - Oi, eu liguei há pouco porque tinha alguém no meu quintal. Não precisa mais ter pressa. Eu já matei o ladrão com um tiro da escopeta calibre 12, que tenho guard