Pular para o conteúdo principal

Mané-Paciência, Olegário Mariano

Mané-Paciência é triste, esquelético e bambo.
Barba sem côr, pele rugosa, olhar sem brilho.
Se a vida transformou seu corpo num molambo,
O infortúnio o adotou como se adota um filho.

Pede esmolas, rodando entre as mãos a sacola.
O grande chapelão lhe aumenta o ar de inocência.
Se alguém dêle sorri quando lhe nega esmola,
Mané- Paciência se descobre e diz: paciência...

Mas, através daquele corpo, nas encolhas,
Vive em sua humildade, uma alma nordestina
Que se debruça como uma árvore sem fôlhas
Procurando esconder aquela humana ruína.

Mané-Paciência é bem  a paisagem nativa,
O anônimo infortúnio e a miséria sem nome.
Tanto esplendor no céu de uma chama tão via
E debaixo do céu tanta gente com fome!



Os rios secos, o terral que uiva e que berra.
O' terral que o pavor das árvores prolongas!
como as criaturas não têm fôrças, grita a terra
Sua revolta pela voz das arapongas.

Grita a terra escorchada a haurir de um céu de cobre
A esperança que cai das nuvens andarilhas,
Onde a vegetação, como a roupa do pobre,
Mostra ao sol, sem pudor, as frondes maltrapilhas.

Terra que se desdobra em mutações tremendas
Ora forte, ora fraca, ora viva, ora exangue.
A vida que se esvai nos eitos das Fazendas,
Onde o suar do trabalho embebe a terra de sangue.

Tudo passou... Tudo morreu... Mané-Paciência
Bate de sol a sol a poeira das ruas...
Que importa tanta luta e tamanha inclemência
Se nas noites de luar, as estrêlas são suas?!


Mariano, Olegário. Toda uma vida de poesia,vol. 2, Ed. José Olympio, Rio de Janeiro 1957, págs.412-413.
Nota: o blog manteve a grafia original.
Imagem: carvão de Presciliano Silva - fotografado do livro.

Comentários

Postar um comentário

comentários ofensivos/ vocabulário de baixo calão/ propagandas não são aprovados.

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di

Mãe É Quem Fica, Bruna Estrela

           Mãe é quem fica. Depois que todos vão. Depois que a luz apaga. Depois que todos dormem. Mãe fica.      Às vezes não fica em presença física. Mas mãe sempre fica. Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver. Uma parte sempre fica.      Fica neles. Se eles comeram. Se dormiram na hora certa. Se brincaram como deveriam. Se a professora da escola é gentil. Se o amiguinho parou de bater. Se o pai lembrou de dar o remédio.      Mãe fica. Fica entalada no escorregador do espaço kids, pra brincar com a cria. Fica espremida no canto da cama de madrugada pra se certificar que a tosse melhorou. Fica com o resto da comida do filho, pra não perder mais tempo cozinhando.      É quando a gente fica que nasce a mãe. Na presença inteira. No olhar atento. Nos braços que embalam. No colo que acolhe.      Mãe é quem fica. Quando o chão some sob os pés. Quando todo mundo vai embora.      Quando as certezas se desfazem. Mãe

Aprenda a Chamar a Polícia, Luis Fernando Veríssimo

          Eu tenho o sono muito leve, e numa noite dessas notei que havia alguém andando sorrateiramente no quintal de casa. Levantei em silêncio e fiquei acompanhando os leves ruídos que vinham lá de fora, até ver uma silhueta passando pela janela do banheiro.                   Como minha casa era muito segura, com  grades nas janelas e trancas internas nas portas, não fiquei muito preocupado, mas era claro que eu não ia deixar um ladrão ali,espiando tranquilamente. Liguei baixinho para a polícia, informei a situação e o meu endereço. Perguntaram- me se o ladrão estava armado ou se já estava no interior da casa.            Esclareci que não e disseram-me que não havia nenhuma viatura por perto para ajudar, mas que iriam mandar alguém assim que fosse possível. Um minuto depois liguei de novo e disse com a voz calma: - Oi, eu liguei há pouco porque tinha alguém no meu quintal. Não precisa mais ter pressa. Eu já matei o ladrão com um tiro da escopeta calibre 12, que tenho guard