O Homem zarolho, postado atrás do
balcão da portaria do hotel, olhou para o ventre de Maria e disse, peremptório:
- Não há vagas. Os quartos estão todos
tomados.
Ela e José desceram; em silêncio, a
suja escada que rangia. Logo os envolveu, na noite nova, o rumor da cidade. O
povo corria para os ônibus e trens, jornaleiros anunciavam o lançamento de uma
bomba atômica no Pacífico – e tudo aquilo desnorteava ainda mais o casal que
passara o dia procurando um quarto na grande cidade indiferente. Como dispunham
de pouco dinheiro, subiam apenas as escadas das hospedarias que lhes pareciam
acessíveis, mas em nenhuma delas haviam encontrado acolhida.
José e Maria continuaram perambulando,
ora através de grandes avenidas, ora por estreitas ruas transversais. Estavam
cansados, tinham vindo de longe, perseguidos por uma calamidade, e a ninguém
conheciam. De vez em quando, Maria parava, queixando-se de seu doce fardo e das
veias de suas pernas inchadas. E José erguia os olhos para os arranha-céus
iluminados, via os aviões a jato que rumorejavam nas alturas, e esperava que
sua mulher sorrisse – era o sinal para continuarem a caminhada.
Tanto andaram que se detiveram diante
dos tapumes semiderruídos de um terreno baldio. José espiou, e viu ao longe,
entre touças de capim, montes de tijolos e detritos, a sombra de um galpão.
Entraram furtivamente, embora ninguém os estivesse observando. Tinham
encontrado, afinal, um lugar para aquela noite. José acendeu um fogo de
gravetos.
E foi ali que Maria deu à luz o seu
filho. Perto, um jumento se agitava, incomodado pelos ratos e moscas que lhe
importunavam o sono.
À luz vacilante do fogo de gravetos,
José contemplou o recém-nascido: menino. E Maria, pálida, parecia sorrir.
De repente, ouviram rumores e se
assustaram. Eram três pessoas que se aproximavam do galpão, atraídas decerto
pela luz do pequeno fogo.
Os três visitantes se acercaram e,
olhando para dentro do galpão, compreenderam que um menino havia nascido.
O primeiro deles, que carregava um
saco, era lixeiro; o segundo, camelô; e o terceiro, um negro tocador de violão,
trazia o seu instrumento.
O lixeiro abriu o saco e, escolhendo o
trapo menos sujo que ali havia, deu-o a Maria, para que com ele envolvesse santamente
o corpo do menino. O camelô depositou aos pés da criança um brinquedo de
matéria plástica, coisa de contrabando. E, como o recém-nascido começasse a
chorar, o terceiro visitante fez vibrarem as cordas do seu violão. E logo a
criança se aquietou.
Então, o ar da noite estrelada
encheu-se de sereias, toques de sinos, apitos de navios e de carros. E Maria
perguntou:
- Que barulho
é este?
Um dos
visitantes respondeu:
- É noite de
Natal. O povo está comemorando o nascimento de Jesus Cristo.
Maria olhou
para o seu filho que, envolto em trapos, dormia inocente no improvisado berço
de palha. E duas lágrimas, grossas e cristalinas, desceram lentamente pelo seu
rosto.
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