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Naquele triste ano de 72, não chupou nenhuma manga, coisa que gostava muito de fazer. Na repartição onde trabalhava, um retrato do presidente mofava na parede por causa da umidade – o rosto se tornando verde e a farda ficando azul. Fumava cigarros sem filtro naquele tempo. Ah, aquele tempo: Brasil ame-se ou deixe-o. Um dia viu toda a família dançando aos pares no cabaré mais suspeito da cidade. Mas, tinha certeza, fora uma alucinação – afinal, sua mãe já havia morrido fazia mais de dez anos.
Que é fogo ter irmã prostituta, é. O cara chega aqui no meio da tarde, fedendo a cachaça, um calor danado, e fica lá no quarto com a Sandra, que ele chama de Tânia, e só sai, sem camisa, pra perguntar se tenho um cigarro. Eu aqui na sala, olhando pro jornal, mas sem ler uma palavra. O pai está cego, na cama. E meio doido também. Uma madrugada dessas, ele acordou berrando: “Getúúúlio”. Só parou quando minha irmã foi até lá e recitou-lhe um legítimo Camões. Não se falavam desde a época do aborto. Coisa que não entendo é essa rapaziada de hoje: tem um cara lá no bar do tio que está tomando cerveja e jogando baralho faz umas duas horas e dizendo que ali não tem homem para ele. Acho que não tem mesmo. Eu vim embora porque detesto palhaçada. E esse tipo de coisa costuma acabar mal.
Sábado besta, esse: as meninas de rabo-de-cavalo passam a caminho do clube, onde vão molhar seus corpos e tomar sol. Acendo um cigarro. Olho o retrato de casamento dos meus pais. É isso: uma ilha de cada lado no meio de um oceano nada pacífico. Saio e vou ver Isabel. Quem sabe, um dia desses, não dou um tiro num.
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