Pular para o conteúdo principal

Espinheiro de Casca Branca - cordel de Josué Araujo

Uma vez, as árvores decidiram eleger um rei para si. Disseram à oliveira: ‘Vem reinar sobre nós’. Mas a oliveira lhes disse: ’Deveria eu renunciar a minha gordura com que se glorifica a Deus e aos homens para reinar sobre as outras árvores? ’
Então as árvores foram à figueira: ‘Vem reinar sobre nós. ’ Mas a figueira, disse-lhes: ‘Deveria eu renunciar à minha doçura e ao meu bom produto e ir reinar sobre as outras árvores?
A seguir, as árvores disseram à videira: ‘Vem reinar sobre nós. ’ A videira, por sua vez, disse-lhes: ‘Deveria eu renunciar ao meu vinho novo que alegra a Deus e aos homens e ir reinar sobre as outras árvores?’
Por fim, todas as outras árvores disseram ao espinheiro-de-casca-branca: ‘Vem, reina sobre nós. ’ Em vista disso, o espinheiro-de-casca-branca disse às árvores: ‘Se verdadeiramente me elegem como rei sobre vós, venham e fiquem embaixo da minha sombra. Mas, do contrário, sairá fogo de mim e queimará os cedros do Líbano. ’ “Juízes 9:8-15"

Sua excelência, o “Espinheiro-de-casca-branca”.

Josué Araujo 

No reino dos vegetais,
Conta o velho testamento
Que, à margem dos animais,
Na floresta houve um momento
Que as árvores maiorais
Promoveram grande evento.

Eleger um novo rei,
As árvores proclamaram,
E o projeto virou lei.
As plantas se prepararam,
Os detalhes eu não sei,
E as campanhas começaram.

Convidaram a Oliveira:
- Sobre nós venha reinar!
- Ora, deixe de besteira -
Respondeu sem vacilar:
- Ouça bem, minha parceira,
Pois vou ter que recusar.

Para Deus glorificar,
Minha essência é consumida.
Como posso renunciar
À função da minha vida,
Pra vocês ir comandar,
Se pra Deus sou bem servida?

Intimaram a Figueira:
- Vem governar sobre nós?
Mas ela, sem brincadeira,
Engrossando bem a voz:
- Estou fora, companheira,
Dessa casca de arriós.

Eu não vou renunciar
Minha essência, que é doçura,
Mesmo sendo pra reinar
Com coragem, com bravura.
Só me resta rejeitar,
E esquivar dessa loucura.

Mas as árvores teimaram
Na eleição da realeza.

Nas florestas divulgaram,
Sem cansaço e sem moleza.
Toda planta convidaram:
Se não Rei, então, princesa.


Mas um sopro de esperança
Na Videira floresceu:
- Vem reinar com temperança,
Que o poder será só seu! -
E a Videira, sem lambança,
Descartou o caduceu.

O governo que merece,
Cada povo tem o seu.
Se o certo não se oferece,
Aparece um fariseu,
E o povão é quem padece
Nas garras de um pelebreu

Pois aconteceu no céu
Que a terça parte dos anjos
Arrastou o cetro ao léu,
E o comando dos arcanjos
Sofreu imenso labéu,
Pondo a Deus em desarranjos.


A ambição é corrosiva,
Natureza do Diabo,
Que na guerra impulsiva,
Só com a ponta do rabo,
Uma parte relativa
Dos anjos ele deu cabo.


As árvores sem alteza,
Sem comando e direção,
dispensando a realeza,
Dos votos abrindo mão,
Se entregando na incerteza
Aos cuidados de um mandão.

O espinheiro-casca-branca
- O terror de todas ervas,
Por temerem sua carranca –
Recebeu-as sem reservas:
- Aceito e não boto banca,
Mas serão as minhas servas.

Se de fato serei rei,
Fiquem sobre o meu abrigo,
Do contrário queimarei
Quem se indispuser comigo.
Dessa forma reinarei,
Sem dar folga ao inimigo.

Meu comando não tem fim,
Complacência ou afago.
Do fogo que sai de mim,
Todas as plantas, eu esmago
Queimarão como capim,
Os cedros e até o tartago.


Meus amigos companheiros,
Lá no congresso é igual,

Temos muitos espinheiros,
Vejam tudo no jornal:
É só bandos de embusteiros
Que se passa por legal.

Na eleição não fui votar,
Não exerci o meu direito,
Como posso reclamar,
Se votaram num sujeito
Que só sabe arrebanhar,
E deixei que fosse eleito?


E os vegetais não afeitos,
Prisioneiros e oprimidos,
Sofrem muito insatisfeitos,
Por não serem destemidos,
Exercendo os seus direitos,
Não votando nos bandidos.


Companheiros ouçam bem,
O que agora vou dizer:
Que a eleição logo vem,
E a sua voz tem que valer.
A avestruz é como alguém,
Que se abaixa pra esconder.


Todo aquele incompetente,
Que só sabe lamentar,
Sobre o muro esta presente,
Como um gato a espreitar,
Nunca faz nada contente,
A não ser sacos puxar.


A história do espinheiro
Serve a todos de espelho.
Companheiro brasileiro,
Ouça bem o meu conselho:
Nunca eleja um embusteiro
Pra roubar o seu celeiro.
Como amigo, eu aconselho.

(O autor cedeu e autorizou publicação no blog)

Comentários

  1. Obrigado Regina pela publicação do meu cordel.
    A única razão da nossa existência nesse planeta é buscar a perfeição através do conhecimento. Ninguém duvida que a fonte básica do conhecimento é a literatura. A literatura esta nos livros. Você é uma mensageira dessa fonte.
    Abraços
    Josué

    ResponderExcluir

Postar um comentário

comentários ofensivos/ vocabulário de baixo calão/ propagandas não são aprovados.

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di

Mãe É Quem Fica, Bruna Estrela

           Mãe é quem fica. Depois que todos vão. Depois que a luz apaga. Depois que todos dormem. Mãe fica.      Às vezes não fica em presença física. Mas mãe sempre fica. Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver. Uma parte sempre fica.      Fica neles. Se eles comeram. Se dormiram na hora certa. Se brincaram como deveriam. Se a professora da escola é gentil. Se o amiguinho parou de bater. Se o pai lembrou de dar o remédio.      Mãe fica. Fica entalada no escorregador do espaço kids, pra brincar com a cria. Fica espremida no canto da cama de madrugada pra se certificar que a tosse melhorou. Fica com o resto da comida do filho, pra não perder mais tempo cozinhando.      É quando a gente fica que nasce a mãe. Na presença inteira. No olhar atento. Nos braços que embalam. No colo que acolhe.      Mãe é quem fica. Quando o chão some sob os pés. Quando todo mundo vai embora.      Quando as certezas se desfazem. Mãe

Aprenda a Chamar a Polícia, Luis Fernando Veríssimo

          Eu tenho o sono muito leve, e numa noite dessas notei que havia alguém andando sorrateiramente no quintal de casa. Levantei em silêncio e fiquei acompanhando os leves ruídos que vinham lá de fora, até ver uma silhueta passando pela janela do banheiro.                   Como minha casa era muito segura, com  grades nas janelas e trancas internas nas portas, não fiquei muito preocupado, mas era claro que eu não ia deixar um ladrão ali,espiando tranquilamente. Liguei baixinho para a polícia, informei a situação e o meu endereço. Perguntaram- me se o ladrão estava armado ou se já estava no interior da casa.            Esclareci que não e disseram-me que não havia nenhuma viatura por perto para ajudar, mas que iriam mandar alguém assim que fosse possível. Um minuto depois liguei de novo e disse com a voz calma: - Oi, eu liguei há pouco porque tinha alguém no meu quintal. Não precisa mais ter pressa. Eu já matei o ladrão com um tiro da escopeta calibre 12, que tenho guard