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Mostrando postagens de setembro, 2016

Cuidar dos Pais, Valter Hugo Mãe

 Minha mãe é a minha filha. Preciso de lhe dizer que chega de bolo de chocolate, chega de café ou de andar à pressa. Vai engordar, vai ficar eléctrica, vai começar a doer-lhe a perna esquerda.      Cuido dos seus mimos. Gosto de lhe oferecer uma carteira nova e presto muita atenção aos lenços bonitos que ela deita ao pescoço e lhe dão um ar floral, vivo, uma espécie de elemento líquido que lhe refresca a idade. Escolho apenas cores claras, vivas. Zango-me com as moças das lojas que discursam acerca do adequado para a idade. Recuso essas convenções que enlutam os mais velhos. A minha mãe, que é a minha filha, fica bem de branco, vermelho, gosto de a ver de amarelo-torrado, um azul de céu ou verde. Algumas lojas conhecem-me. Mostram-me as novidades. Encontro pessoas que sentem uma alegria bonita em me ajudar. Aniversários ou Natal, a Primavera ou só um fim-de-semana fora, servem para que me lembre de trazer um presente. Pais e filhos são perfeitos para presentes. Eu daria todos os m

A Primavera da Lagarta, Ruth Rocha

     Grande comício na floresta! Bem no meio da clareira, debaixo da bananeira!       Dona formiga convocou a reunião.       -Isso não pode continuar!      -Não pode não! Apoiava o camaleão.      -É um desaforo. A formiga gritava.       -É um desaforo!      -É mesmo. O camaleão concordava.      A joaninha que vinha chegando naquele instante perguntava: Qual é o desaforo, hein?      -É um desaforo o que a lagarta faz!      -Come tudo o que é folha! Reclamava o Louva-a-deus.      -Não há comida que chegue!      A lagartixa não concordava: -Por isso não que as senhoras formigas também comem.      -É isso mesmo! Apoiou o camaleão que vivia mudando de opinião.      -É muito diferente, depois a lagarta é uma grande preguiçosa, vive lagarteando por aí.      -Vai ver que a lagartixa é parente da lagarta. Disse o camaleão que já tinha mudado de opinião.

Árvore, Manoel de Barros

“Um passarinho pediu a meu irmão para ser uma árvore. meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho. No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de sol, de céu e de lua mais do que na escola”. Manoel de Barros “No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo mais do que os padres lhes ensinavam no internato. Aprendeu com a natureza o perfume de Deus”. Manoel de Barros “Seu olho no estágio de ser árvore, aprendeu melhor o azul. E descobriu que uma casa vazia de cigarra,esquecida no tronco das árvores só serve para poesia”. Manoel de Barros No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores são vaidosas. Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se transformara,envaidecia-se quando era nomeada para o entardecer dos pássaros e tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos brejos”. Manoel de Barros “Meu irmão agradecia a Deus aquela permanecia em árvore porque fez amizade com as borboletas”.

Momento de Felicidade,Jalal ad-Din Rumi

Felicidade é este momento, você e eu sentados na varanda duas formas, dois rostos, mas uma alma, você e eu. A beleza das flores e o canto dos pássaros nos dão a água da vida quando entramos neste jardim, você e eu. As estrelas do céu vêm nos ver, e mostramos a elas a lua, você e eu. Você e eu, unidos em êxtase de alegria, livres do juízo e da razão - você e eu. Os beija-flores do Paraíso bicam açúcar quando nós rimos, você e eu. Mais incrível ainda, estamos aqui ao mesmo tempo no Iraque, na Pérsia, você e eu - numa forma aqui na Terra, e noutra forma, no Paraíso. E na Terra do Açúcar, você e eu...  (tradução de Jorge Pontual) Fonte: www.textospararefexão.blogspot.com.br Leia sobre o autor. Imagem: famousauthores

O Melhor Amigo, Fernando Sabino

A mãe estava na sala, costurando. O menino abriu a porta da rua, meio ressabiado, arriscou um passo para dentro e mediu cautelosamente a distância. Como a mãe não se voltasse para vê-lo, deu uma corridinha em direção de seu quarto.      – Meu filho? – gritou ela.      – O que é – respondeu, com o ar mais natural que lhe foi possível.      – Que é que você está carregando aí?     Como podia ter visto alguma coisa, se nem levantara a cabeça? Sentindo-se perdido tentou ainda ganhar tempo.      – Eu? Nada…      – Está sim. Você entrou carregando uma coisa.      Pronto: estava descoberto. Não adiantava negar – o jeito era procurar comovê-la. Veio caminhando desconsolado até a sala, mostrou à mãe o que estava carregando:      – Olha aí, mamãe: é um filhote…      Seus olhos súplices aguardavam a decisão.      – Um filhote? Onde é que você arranjou isso?      – Achei na rua. Tão bonitinho, não é, mamãe?      Sabia que não adiantava: ela já chamava o filhote de i