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Cristóvão Tezza - pequena entrevista.


Uma conversa com Cristovão Tezza
entrevistado porAleph Ozuas,Daniel Serravale eSigval Schaitel 
 Ciberarte:Vários escritores já estão desenvolvendo trabalhos na Internet - Stephen King, que lançou seu livro na rede, também João Ubaldo Ribeiro ou Mário Prata. Qual a sua relação e da sua produção como escritor com a Internet? 
Tezza:A Internet é um caminho. No Brasil a distribuição e venda do livro está na pré-história. As livrarias são um horror. Normalmente o livro é caríssimo, da editora ao consumidor tem um custo da distribuição e do atravessador. Quando você compra pela Internet, fica muito mais barato, você corta esse custo. É um espaço tanto para vender, para viabilizar o objeto livro (do que as livrarias tradicionais não estão dando conta), quanto como uma nova mídia. Até uma maneira assim de ficção científica, em que você encomenda o livro e ele é impresso especialmente para você. O livro é feito sob demanda, não existe mais estoque e barateia brutalmente o custo. Acho que em pouco tempo isto deve ser realidade. Então eu não tenho medo nenhum. Acho que a Internet vai reforçar o livro em vez de destruí-lo. Primeiro, porque multiplica os pontos de venda ao infinito. Hoje se tem muito mais opção de comprar livro, e muito mais rapidamente, uma bibliografia fantástica disponível. Eu sou um grande consumidor de livro. Compro na Amazon, Submarino, Cultura... Eu freqüentemente visito esses sites. É um multiplicador, um espaço fantástico.Ciberarte:Muitos tecnólogos dizem que o livro eletrônico irá substituir o livro impresso...Tezza:Aí tem muita fantasia. O que se imaginava que seria o mundo de hoje em 1950, calçadas rolantes e todo aquele imaginário, se vê que tudo deu para trás. Em compensação, hoje tem coisas muito mais fantásticas, a própria Internet, o computador. Não se previa isso. O que se previa era um mundo mecânico, não um digital, a sofisticação mecânica e não a digital. O livro, no mundo todo e principalmente no Brasil, ainda é um objeto de consumo restrito. Eu não consigo imaginar que vai todo mundo ter uma tabuletinha digital no bolso. É claro que vai ter livro eletrônico, mas serão formas que estarão sendo usadas paralelamente. O livro de bolso, de fácil transporte, pode conviver perfeitamente com ele. Mas eu não me vejo lendo nessas telas.Ciberarte:Em relação à sua narrativa percebe-se que há sempre um tom de mistério, algo de narrativa policial...Tezza:Tem. É uma narrativa que me atrai. Trabalhar com suspense. Num primeiro momento eu gostava muito de Agatha Christie, lia tudo do Conan Doyle, achava um barato aquilo. E depois, num segundo momento o (Georges) Simenon. Ele é fantástico, o melhor de todos.
Ciberarte:E onde aparece Florianópolis nos seus romances?Tezza:Indiretamente em três livros. "Ensaio da paixão" tem muita coisa de Florianópolis, mas não está expresso. A metade do "Aventuras provisórias" se passa em Florianópolis, na Lagoa da Conceição. E "O fantasma da infância" se passa em Florianópolis. Eu morei dois anos lá. Tenho uma relação forte com a cidade.
Ciberarte:

Você falou dos artistas do seu tempo de juventude e dos de hoje, que logo se preocupam em como entrar no mercado. Há uma grande diferença?
Tezza:A primeira pergunta que o pessoal que me escreve faz é "como é que faz para publicar um livro?" Com quatro poemas já está pensando em publicar um livro. É uma relação engraçada, bem mais pragmática. O artista perdeu toda a aura; aliás, já vinha perdendo desde o século passado, aquela figura do artista como o iluminado da sociedade. Ela tem sobrevida nos anos 60 porque vinculou com a idéia de transformação social. Teve importância fantástica no fim da guerra do Vietnã, todo o movimento hippie. Hoje não, perdeu a aura. A própria literatura tem que se perguntar "Mas alguém mais quer ler livro? Tem algum interesse?"

Ciberarte:Todo artista é um pouco louco?Tezza:Tem um aspecto meio monstruoso na atividade artística, porque num primeiro momento você acha que tem controle sobre essa atividade, mas escrevendo um livro, ao longo dos anos você vai sendo modificado pelo que escreve. Um romance, por exemplo, você leva dois anos para escrever, são muitas horas sozinho. Acho que nenhuma outra atividade deixa a pessoa tão sozinha quanto escrever um livro, porque em qualquer outra atividade você está vendo pessoas. Dando aula, por exemplo, você está o tempo todo vendo pessoas. O sujeito que escreve não, ele fica muito tempo sozinho. As horas que fica escrevendo são estatisticamente excessivas. E acho que por causa dessa perda de contato todo artista é meio anti-social. Ele vai ficando meio esquisito. E o próprio ato de escrever, trabalhar com a palavra, mexe com a questão da construção da consciência, com a articulação do mundo. Isso não é uma coisa que se faz impunemente. É como mexer com lixo tóxico sem máscara de proteção. Tudo isso vai mexendo com a tua cabeça. No final de dois anos em um livro de 200 páginas você já não é mais a mesma pessoa. Você é transformado pelo livro também, ele passa a lhe conduzir. Por isso há temas recorrentes. No próximo livro você vai aprofundar, vai se tornando uma estrada obsessiva. E essa solidão é algo pessoalmente transformador. Daí porque você não consegue mais parar, sem isso você não é mais ninguém. A questão é: vou parar de escrever e vou fazer o quê? Não sei fazer mais nada...

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