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Mostrando postagens de agosto, 2025

Assim Termina o Livro Que Eu Terminei:

     Sabemos, por entrevistas, que Nafissatou Diallo ficou magoada quando as acusações criminais foram arquivadas. Uma reação esperada e compreensível.  Mas a imaginação artística também é o mundo do "e se" . E se em vez de ficar devastada, ela visse o arquivamento das acusações como uma maneira de escapar de um sistema que sabia que não estava configurado para beneficiar pessoas como ela? E se ela visse isso como um alívio complicado, tendo-lhe sido negada a chance de fazer justiça, mas também como o ganho de possibilidade de recuperar sua vida, congelada no gelo do desconhecido?      Às vezes quando escrevemos ficção, momentos mágicos caem do céu, personagens se mostram e partes reveladoras formam cenas, como aconteceu no fim deste comance. Fiquei profundamente comovida com aquele final gestado no terreno selvagem da dor pessoal e, ainda assim, tão afastado da dor.      Minha mãe, acho, teria gostado sa personagem Kadiatou. Eu a imagin...

100% Classe Média, crônica de Antonio Prata

     "Nós somos ricos?" perguntei à minha mãe, aos cinco anos. Eu achava que sim. Afinal, para mim, os pobres eram aquelas pessoas  que eu via com prematura angústia, através do vidro de nosso Passat verde-musgo, na pequena favela Juscelino Kubitschek, perto de casa. Minha mãe disse que não éramos ricos nem pobres, éramos de classe média.      Achei o termo meio nebuloso e confesso que só fui entendê-lo realmente, em suas profundas implicações socioexonômicas-culturais, na última terça, durante o banho, quando o vizinho de cima deu a descarga e a água do meu chuveiro pelou. Eu gritei um palavrão, abri mais a torneira e, quando minhas costas voltavam a uma temperatura suprtável, pensei:ah, então é isso.      Ser de classe média significa ter uma proximidade compulsória com os outros e, consequentmente, estar em constante negociação com o mundo. Afiinal, você não está entre a minoria que dita as regras, nem junto à massa que apenas as segu...

Amazônia, melodia de Artur Nogueira e letra de Antônio Cícero

Não queira que eu cante a selva ou o rio Amazonas, cujo silêncio a fluir às minhas costas no entanto escuto às vezes, imerso em trevas. Nas veias, é certo, corre o sangue selvagem das amazonas, e os meus traços caboclos traem os maranhões; mas trago, como herança ancestral, não saudade da floresta, mas da cidade almejada A Amazônia quer versos heroicos e épicos, não os meus, líricos, eróticos, céticos. recordo e esqueço como é que, porventura, me perdi dos meus ancestrais. Que não me guardem mágoa nossas amazonas mas toda origem é forjada no caminho cujo destino é o meio. Feito o Amazonas, surjo do deserto, mas dos afluentes eu escolho as águas.

Mulheres da Fuvest (8): Júlia Lopes de Almeida - UFRGS resgata seus contos.

A escritora  carioca Júlia Valentina da Silveira Lopes de Almeida (1862-1934), era uma mulher à frete do tempo.  Na época dela não se via mulher no ofício de escritora, como também não em muitas outras atividades, claro. Mas ela escrevia em jornais e  em 1887, lançou o livro “Contos infantis”. Ao todo, Júlia Lopes de Almeida escreveu uns 10 romances. Ela era casada com o poeta português Filinto de Almeida (1857-1945), cofundador da ABL.  Júlia foi uma das idealizadoras, ajudou a criar a Academia, mas foi barrada. Quando os "imortais" foram recebendo suas cadeiras, Júlia Lopes foi barrada. Tinha cérebro, talento, idealizou a instituição, mas "infelizmente" sofria de um defeito gravíssimo: era mulher.  Foi substituida pelo marido.  A cadeira número 3 ficou com o poeta português Filinto de Almeida.  A Fuvest, na tentativa de se desculpar por anos de machismo em que só trazia homens nas suas listas de livros indicados, coloca  Memórias de Martha , qu...

Assim Começa o Livro Que Eu Comecei: A Contagem dos Sonhos, Chimamanda Ngozi Adichie

     Sempre desejei que outro ser humano me conhecesse de verdade. Às vezes, passamos anos convivendo com anseios que não conseguimos nomear. Até que a fenda surge no céu, se alarga e nos reela para nós mesmos, como a pandemia fez, pois foi durante o confinamento que comecei a esquadrinhaar minha vida e a dar nome a coisas há muito não nomeadas.  No começo, jurei que aproveitaria ao máximo esse isolamento coletivo; se a ínica escolha era ficar em casa, então eu iria passar óleo todos os dias nas pontas cada vez mais finas de meu cabelo, beber oito grandes copos d'água, correr na esteira, me dar ao luxo de dormir muitas horas e massagear meu rosto com séruns caros. Escreveria novas matérias a partir de anotações de viagens antigas que nunca tinha usado e, se o confinamento durasse tempo suficiente, talve finalmente tivesse fôlego necessário para escrever um livro Mas em pouco tempo, já estava dando voltas dentro de um poó sem fundo. Era um turbilhão de palavras e aler...

Mulheres da Fuvest (7): Rachel de Queiroz, Caminho de Pedras

     Na Fortaleza dos anos 1930, durante a Era Vargas, Roberto tem a missão de recrutar operários para uma nova célula de esquerda. Uma das pessoas que se interessam é Noemi: mãe de Guri e casada com um homem que não ama mais, ela está em busca de algo que a faça se sentir viva. Nas reuniões do partido, Noemi e Roberto desenvolvem uma conexão intelectual intensa, que os leva a um caso amoroso. Ela se vê, então, testando novos limites morais e éticos, tanto no campo do amor quanto no da política. Expressão de um socialismo libertário que poucas vezes voltaria a aparecer nos textos de Rachel de Queiroz,  Caminho de pedras  é considerado seu romance mais engajado. Neste livro, aparecem as primeiras demonstrações de um estilo mais introspectivo e de análises psicológicas que alicerçam cenas de forte intensidade emocional. Um arranjo arguto para contar a história de uma paixão proibida inflamada pela luta. Em  Caminho de pedras , Rachel de Queiroz nos revela a f...

Use A Passagem Subterrânea, conto de Lêdo Ivo

     Da esquina, dirigi-me diretamente para a amurada da praia. Era pouco mais de meio dia, e a claridade doía-me nos olhos. Eu me sentia incomodado pelo resplendor da paisagem, que me sonegava sinais luminosos, ramos de árvores, calotas de automóveis, uma verruga no rosto lívido de um guarda-civil. No íntimo, desejava que tudo estivesse ao alcance de minha observação, para poder usufruir a totalidade do instante. Fulgindo e refulgindo, o tempo que eu ia atravessando, enquanto meus pés se moviam no asfalto da alameda, parecia negacear, desviar-se de mim como uma onda va dia no mar grande. E eu ia avançando.      Sentia achar-me do lado de fora das coisas e da vida. A ambulância passou pela outra alameda e as crianças de um ônibus escolar começaram a imitar a sereia roufenha. Vi também o mendigo. Estava alinuma das primeira linhagens da terra catando alguma coisa no chão. Mas tudo isso passava por mim sem me abalar: coisas turbulentas, era como se fossem sob...

Vamos Pensar? (27)

 

O Portão Nunca Se Fecha Onde Existe Amor, texto de Noel Silva Pereira

Quando chegou em casa, enrolado em um pano, não sabia se era um rato ou cachorro, me falaram que era da raça Pinscher, nº 1, dos menores que há. Era 2009, ano do nascimento de minha neta a Lara. Foi muito bem recebido pelas crianças. Thiago com 10 anos, Camily com 4 anos de idade. Mas foi o Thiago quem o escolheu, e ele escolheu o Thiago. Agora faltava escolher o nome. Reunião entre as crianças. Chegaram ao nome: ‘Snoopy”. Não sei se fazendo referência ao desenho animado que eu muito assisti em minha infância, mas que eles só conheciam em figuras e quadrinhos na internet. Sabendo eu que o Snoopy do desenho animado era inteligente, dócil, livre e aventureiro, me perguntei olhando para dentro da caixa de papelão, se for cachorro mesmo,  vou ver se tem as qualidades e características do Snoopy do desenho animado. Mas Snoopy rosnava e queria morder qualquer um que lhe incomodasse. Já nos primeiros meses, percebemos que ele era sempre mal-humorado com todos, menos com o Thiago. Ele não ...

Somos a Geração Mais Desinformada da História, texto de Suzana Valença ( Apresentando novos blogs)

Consumimos muita mídia, mas lemos pouquíssimas notícias. Passamos mais tempo consumindo mídia do que qualquer outro momento da história humana. Nunca tivemos tanto acesso à informação. Entretanto, nem sempre quantidade quer dizer qualidade. Além de que, algumas vezes, excesso de dados não facilita a comunicação, dificulta. Passamos muito tempo conectados, mas estamos lendo (ouvindo, vendo) cada vez menos notícias. Esta semana, eu estava assistindo a uma aula do professor Thomas E. Patterson. Ele mostrou uma pesquisa na qual jovens foram perguntados sobre notícias do momento. Umas das questões era “quem é o atual primeiro-ministro de Israel?”. Mesmo sendo apresentados a múltiplas alternativas, a maioria dos entrevistados não acertou a resposta. No livro We the People, Patterson explica que estamos passando muito tempo consumindo mídia, mais do que nunca. Mas que a quantidade de alternativas de conteúdo é tanta que muitos acabam não lendo, ouvindo ou assistindo notícias como antes. Por q...