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Helder Guastti. O Professor Brasileiro Que Pode Ser o Nobel da Educação de 2025

 Transformar a educação por meio do afeto é o objetivo de Helder Guastti, 37. Essa missão o levou à final do prêmio internacional Global Teacher Prize, conhecido como o "Nobel da Educação", que laureia práticas pedagógicas inovadoras e de impacto social.

Filho de professora, Guastti não tinha a intenção de seguir a carreira docente, mas acabou se apaixonando pela profissão. Decidiu cursar pedagogia e, desde então, leciona nos anos iniciais do ensino fundamental em escolas públicas de João Neiva (ES), sua cidade natal, localizada a cerca de 84 km de Vitória (ES).

Realizado em 2023 com a turma do 5º ano da Escola Municipal Pedro Nolasco, o projeto "Como diz o outro" foi selecionado entre 5.000 inscritos de 89 países. O nome faz referência a uma expressão popular da cidade.

A ideia da iniciativa era resgatar tradições orais locais, por meio de pesquisa, produção de textos, rodas de leitura e discussões sobre questões sociais, como o papel da mulher na transmissão das narrativas populares.

O trabalho resultou num livro escrito pelos alunos, com ilustrações criadas por inteligência artificial —uma proposta que também partiu das crianças.

Um dia, um aluno chegou revoltado com a notícia de que adolescentes tinham feito montagens pornográficas com o rosto de colegas. Isso gerou uma discussão em sala, e a indignação geral era sobre como alguém pode pegar algo tão incrível e usar de maneira tão terrível. Foi então que os alunos sugeriram usar a IA para ilustrar o livro", conta.

tecnologia desafiou os alunos a criarem prompts —comandos para gerar imagens— a partir dos textos produzidos. Esse processo, segundo o professor, levou à ressignificação da leitura e escrita, e contribuiu para integrar a tecnologia ao aprendizado.

Em 2024, a iniciativa rendeu ao professor o título de Educador do Ano na categoria Inovação e Tecnologia, no Prêmio Educador Nota 10. O sucesso também contribuiu para o aumento do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) da escola, de 6.4 em 2021 para 6.8 em 2023.

A notícia foi recebida pelas famílias dos alunos "em clima de Copa do Mundo", segundo o educador. "Quando cheguei ao hotel [ele estava em São Paulo], recebi vídeos das crianças chorando, mães pulando, pais se jogando no chão", conta.

"Tento fazer um trabalho centrado na criança, para que ela se veja como protagonista deste ano de vivência, pelo menos comigo em sala. Que participem, tomem decisões e sintam que a sua voz é valorizada de verdade, sem julgamentos", diz.

Apesar dos resultados, o professor ainda enfrenta desafios comuns ao ensino público no país, como a falta de valorização profissional, baixo salário e limitações que comprometem as práticas pedagógicas.

Para o professor, também faltam incentivos para práticas educacionais inovadoras na sala de aula. "Na rede pública, o mínimo é considerado suficiente, e isso não é aceitável. É preciso sonhar mais alto", afirma.

Fora da escola, Guastti mantém uma biblioteca comunitária em sua casa, na periferia da cidade, desde 2017. Com cerca de 1.500 livros no acervo, o espaço, chamado Confabulando, realiza ações gratuitas de incentivo à leitura, como empréstimos e contação de histórias.

Durante a pandemia, teve de se adaptar ao digital, com lives diárias de leitura, o que contribuiu para ampliar o alcance do projeto. "Esse é o trabalho da minha vida. Ver pessoas de diferentes idades e contextos sociais reunidas por causa dos livros é emocionante", afirma.

Enquanto espera o anúncio do vencedor do prêmio, que deve ser divulgado no dia 11 de fevereiro, Guastti segue sonhando com o futuro de seus alunos. "A mudança principal que eu gostaria de ver na educação pública são propostas realmente significativas para as crianças, considerando elas como o centro de tudo", afirma.

Ele acredita que o impacto da educação não é colhido imediatamente, mas, sim, no futuro. "Meu papel é plantar sementes. Espero que eles cheguem à vida adulta em uma geração que valoriza a educação e a transformação social de forma real", conclui.

Matéria da Jornalista Victoria Borges para a Folha de São Paulo 29/1/2025

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