Depois de cada guerraalguém tem que fazer a faxina.
Colocar uma certa ordem
que afinal não se faz sozinha.
Alguém tem que jogar o entulho
para o lado da estrada
para que possam passar
os carros carregados de corpos.
Alguém tem que se atolar
no lodo e nas cinzas
em molas de sofás
em cacos de vidro
e em trapos ensanguentados.
Alguém tem que arrastar a viga
para apoiar a parede,
pôr a porta nos caixilhos,
envidraçar a janela.
A cena não rende foto
e leva anos.
E todas as câmeras já debandaram
para outra guerra.
As pontes têm que ser refeitas
e também as estações.
De tanto arregaçá-las,
as mangas ficarão em farrapos.
Alguém de vassoura na mão
ainda recorda como foi.
Alguém escuta
meneando a cabeça que se safou.
Mas ao seu redor
já começam a rondar
os que acham tudo muito chato.
Às vezes alguém desenterra
de sob um arbusto
velhos argumentos enferrujados
e os arrasta para o lixão.
Os que sabiam
o que aqui se passou
devem dar lugar àqueles
que pouco sabem.
Ou menos que pouco.
E por fim nada mais que nada.
Na relva que cobriu
as causas e os efeitos
alguém deve se deitar
com um capim entre os dentes
e namorar as nuvens.
(Fim e começo, 1993, in: Poemas)
Fonte: Revista Continente
Imagem: sede do governo de Kharkiv na Ucrânia, bombardeada pela Rússia.
Wislawa Szymborska, era polonesa. Nobel de Literatura em 1996.
Livros da autora editados no Brasil:
Poemas (2011)
Um Amor Feliz ( 2016)
Quinquilharias e Recordações ((2020)
Correio Literário (2021)
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