Nadou ao fim do mar, à boca dos tubarões, dentro do vazia das baleias, sob as barrigas cegas dos barcos, no pensamento dos peixes e nas suas costas, entre as areias, atrás das pedras e debaixo. Buscou na cintilação quando a liuz entrava água adentro fazendo de tudo um cristal gigante, podia ser que o filho fosse agora uma estrela e só soubesse brilhar. A mãe olhava o brilho como se o brilho a tivesse também a observar. Esperava e, de todo modo, ficaria para sempre a esperar.
Nunca secava o corpo porque a água era agora o seu menino. Molhava-se, estendia as mãos em redor como radares aflitos por um abraço e imaginava que a criança fazia as ondas. Talvez as ondas fossem um modo de falar.
E ela ondulava. Sentia as marés como a respitação do mundo a caminho. Sentia que o tempo todo era deslocação e viagem. Era como sabia que a demora lhe criava uma distância insuportável, como se omplaneta inteiro fosse constantemente para outro lugar. Como se o planeta inteiro estivesse a ir embora e ela prcisasse de agir com urgência.
Ela também achava que o seu corpo a secar era uma partida contínua do filho. Quando sentia a roupa e a pele seca, dizia: partiu. Como se o filho levantasse do colo. De dormir no seu peito, como era costume. O menino evaporava talvez para observar as coisas desde as nuvens. A mãe ficava sozinha. Fechava-se em casa para recordar.
Pensava que o corpo do mar era o corpo do filho, sem distinção. O amargo do sal nunca se enganaria perante a falta de beijos, a nostalgi dos beijos e a delicadeza de sua criança. Ela nadava dentro do filho. Era por causa disso que se estendia e só então accalmava.
Uma vez, a mãe encheu de água um enorme jarro que levou para casa sem entornar. Fitou-o perplexa. Resplandecia na luz da tarde igual a uma lâmpada líquida ou a uma estrela guardada. Cuidadosamente, abraçou o jarro e longamente o acarinhou. Era então um lugar do seu filho. Depois, a mãe afundou um soldadinho para que a água pudesse brincar. Ela disse: brinca, filho. A água aquietou-se. Talvez o menino apenas brilhasse para brincar.
A cada dia, assim repetiu até que a casa inteira fosse o mar. Um mar emvidros puros, transparentes, através dos quais ela o vigiava e expunha ao sol. Afundava lobos e carrinhos de corrida, super herois e dinossauros. Flutuava neles barquinhos de papel e afundava mais soldadinhos. Um exército de brinquedos que, na transparência dos vidros, também esperava. E a mãe perscrutava o bulício das águas ou a maior cintilação para saber se o seu menino estava a comunicar.
Circulava igualmente aquática, bailarina cautelosa, por entre os vidros sagrados, e eles evaporavam lentamente como se, lentamente, sem que o percebesse ou confessasse, a mãe se vingsse ao matar o mar. Haveria de ver evaporar jaro a jarro, o tamanho de um menino pequeno, até ao infinito. Amaria e culparia o mar até ao infinito.
Em: Contos de cães e maus lobos, Valter Hugo Mãe. Biblioteca azul 2019, págs. 25-27
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