agitar o metabolismo meio lento, não é Alice. E ainda assim eu não mudaria nada nela. Fazer de você uma nova figura, não indelével mas solta de você não faz parte dos meus planos. Casada com outros vocês você ficaria indefinível. E é tão fácil definir você - a mulher que eu amo.
Não seja outra por ninguém. Você é senão tudo. Em tudo que vejo em você há algo divino. Você se olha pela manhã com medo de se encontrar, é isso? O programa é sair vivendo, querida, sem muito pensar. O programa é concretizar você. Talvez numa canção ou poema. Como no quadro em que a Virgem segura o bebê no colo. Há perigo em viver. Como na morte em que também existe vida. Como naquele arvoredo na encosta do morro, vê? em que galhos secos dão lugar a novos e roliços.
Em tudo o que existe há poesia e o ciclo da vida é esse, até terminar. Poetizar até acabar. No medo há lirismo. Olha, eu mesmo, quero me mostrar pra você e tudo que faço faz meus ossos doerem. Eu também tenho medo de mim. Eu tento pensar com o cérebro e nunca penso direito quando preciso de uma ideia. Me tranco. Dá branco. Minha existência não é fácil. É quando eu não preciso de mim que me sou.
Eu ía dizendo que vi o cachorrinho triste porque ele matou o amiguinho sem querer. Eu acho que foi assim, Alice: 1- os dois começaram a brincar, o grande e o pequeno; 2- por alguma razão desconcertante o grandão matou o pequenino sem intenção; o grande está sem entender porque o pequenino não se mexe mais; 3- todos os animais do sítio agora estão desolados. Se um deles pudesse contar o que houve talvez dissesse: Foi o calor! Deixou todo mundo louco. Só que bichos não falam e a gente não é o que pensa que é. É menos ainda. É um arrepio inicial e no final, fúria.
Vem a raiva de não ter sido tudo o que se queria, vem o medo da morte. Você diz que não consegue distinguir se é feia ou bonita. Que mal tem isso? Mulheres não foram feitas para a beleza exterior, querida. A beleza delas mora dentro das veias. As veias são iguais à nossa mesa de madeira. Veja: cada jantar realizado é um corte na mesa. Cada taça de vinho derramado é uma mancha que marca. Cada vez que nosso coração se parte chovem lágrimas na hora do almoço. A veia se entope do nosso viver, se enche da gente, engrossa com nossas reclamações e escurece de arrependimento.
Gente é assim mesmo, contradiz o que sente. Você tenta pensar com o cérebro, como eu, mas ele escorrega pelo rosto e cai no chão? Rapidamente! Não, senhora, não venha me dizer que o seu sofrimento é maior que o meu. Quem sabe se a gente pensar com o pé.
Cansei! disse ele, afastando-se da sala. Todo dia a mesma coisa redonda e chata. O amor não é redondo, mulher, é reto como uma linha, e às vezes intenso e separatista como um número. Toma o meu amor, ele é tudo o que tenho para dar.
O homem riu com dor e tristeza, e continuou sozinho pelo corredor da casa, falando da Bossa Nova como se a música fosse uma pessoa.
Lindo!
ResponderExcluirMuito obrigada!
ExcluirAh, como Natascha escreve bem sobre o Inusitado! Até a trivialidade foge dela mesma e se embrenha em labirintos inescrutáveis! Escreva, Natascha, escreva!! 👏👏👏👏
ResponderExcluirHavemos de semear sementes. E algumas se transformarão! Obrigada por me inspirar!
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