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O Poema Que Eu te Fiz e Disse Às Ondas, Austro Costa


Para além do Farol
onde a praia é mais triste, e é mais humano,
ao pôr-do-Sol,
o velho Mar,
de ondas mais belas porque mais selvagens
no seu ritmo insano,
para além do Farol apraz-me hoje espraiar,
na comoção dos namorados,
destes Céus, deste Mar, destas paisagens.


Oh! a móbil poesia,
de ondas, ventos e velas,
em contínuas querelas,
quando o Ocaso é uma estranha aegoria,
um painel de agonia!


Então há um poema de extâse em meus olhos
de visionário e contemplativo.


Meus pensamentos líricos, desfolho-os
por sobre as velas e por sobre as vagas
como uma oblata e um epicédio
à Beleza
e à Tristeza.
Sobre as areias ermas,
ao por-do-Sol decorativo,
tombam sombras enfermas.
E anda em tudo o "motivo"
de umas saudades vagas,
de umas melancolias sem remédio...
Oh! o misticismo dos Crepúsculos marinhos
para os que vão, como eu, pelas praias, sozinho.


Passa nas coisas um eflúvio, misto
de romantismo e relogiosodade.
É o naufrágio do Sol. Sangra? Enlanguesce...
Dir-se-ia vai tremer. Desaparece...


Agonia solene!
Liturgia em lilás!
O Crepúsculo... Sim, o Crepúsculo é isto:
o Laus Perene
da Saudade.

O vento chora. Vão gemer os coqueiros...


A praia reza... A praia,
dir-se-ia que desmaia
mas, reza apenas, numa compução.
O coqueiral soluça. O vento guaia...
A praia reza?! Por quem reza a praia?
Pelas velas perdidas na amplidão?


Oh! tragédia obscura dos barquinhos
desfeitos no Alto-Mar, aos redemoinhos,
aos sinistros repougos das procelas!
E os pescadores... Pobrezinhos!
Que lutadores!
Que odisseia, a das quilhas e das velas!


Ó Céus piedade
dos que lutam no Mar com a tempestade!
Ai! dos nautas errantes,
perdidos longe, entre clamores...
- Nossa Senhora dos Navegantes!
- Nossa Senhora dos Pescadores!
Sentimentalidades do Crepúsculo?


À beira-mar, por estes fins de tarde,
ai! como, às vezes, penso
numa quase ceerteza que me inquieta,
que este meu coração é um pobre músculo
cobarde!


- Desgraçadinho coração imenso!
Como este desgraçado me faz poeta!


...................................................


E, enquanto a Noite desce
e eu ergo ã solidão a minha prece
para além do Farol, onde o Mar é mais grave
e onde o crepúsculo é mais triste,
sinto que alguém me chama:
que me acompanha tua sombra suave,
tão suave que outra igual, decerto, não existe!


(Mas, não. É que isso é mesmo de quem ama...)
Volto para onde estás. E eu que andei, langue e esquivo,
pela praia deserta,
a chorar sem motivo,
velhas saudades vãs dizendo ao Mar e ao Vento:
sei afinal que é só por ti que vivo,
ó liquefeita Luz! Ó água Sagrada
que me matas a sede
de Consolo, de Paz, de Esquecimento!
( A noite colhe a última rede.
Os pescadores vão cantando por aí...)


Volto para onde estás.
Volto cheio de ti...
E, ao te beijar o rosto,
as tristezas e as sombras do Sol posto
mão me impressionam mais...
E minha alma, lavada e em luz aberta
à matinal, à fulgural balada
de tua Espera,
é todo um Mar na glória da Alvorada!...


Em: Mulheres e Rosas/Vida e Sonho/ De Monóculo Ed. CEPE 2012
págs.135-138

Ilustração:  O Farol, Anita Malfati
Acervo da Coleção Gilberto Chateaubriand, MAM, Rio de Janeiro/RJ

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