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Astrid, a mulher que criou Pipimeialonga


Muito antes de o livro Histórias de Ninar para Garotas Rebeldes deixar de lado as princesas
de conto de fadas e substituí-las por mulheres inspiradoras como Ada Lovelace e Amelia Earhart, uma heroína fictícia idiossincrática estava se rebelando contra o sexismo na literatura infantil, cativando jovens leitores em todo o mundo e mostrando que havia mais de uma maneira de ser uma menina.

Com suas tranças e sardas vermelhas, ela desdenhava das convenções sociais e tinha personalidade de sobra. Ela era independente e forte - tão forte que conseguia erguer um cavalo com uma mão. Ela também possuía um estoque de moedas de ouro e, aos nove anos de idade, morava sozinha com seu macaco e cavalo, navegava em alto-mar e até dançava com ladrões. Não espanta saber que meninas de diversas gerações quiseram ser ela - algumas ainda querem.

Seu nome é Pippi Meialonga (ou Pipi Longstocking, no título original), e como revela uma nova biografia fascinante, sua criadora, a sueca Astrid Lindgren, poderia facilmente estar entre as estrelas de Histórias de Ninar para Garotas Rebeldes.

Mãe adolescente solteira, defensora declarada dos direitos das mulheres e das crianças, ela levantava diversas bandeiras, do ambientalismo ao pacifismo. Não foi um caminho esperado e nem fácil para a filha de um fazendeiro criada em uma comunidade religiosa e conservadora na década de 1920 na Suécia. E ainda assim este se tornou o caminho de Lindgren, como mostra Jens Andersen no livro Astrid Lindgren: A Mulher Por Trás de Pippi Meialonga.

A pequena Astrid era uma contadora natural de histórias e herdou o dom da escrita da mãe, que escrevia poemas quando tinha tempo.

Quando adolescente, Astrid experimentou o cross-dressing (ato de usar roupas ou objetos associados ao sexo oposto) e descobriu o jazz. Aos 17, ela se tornou estagiária em um jornal local e, quando tinha 18 anos, seu chefe de 49 anos, casado e pai de sete filhos, a engravidou.

"Meninas são tão bobas. Ninguém nunca havia estado seriamente apaixonado por mim antes, e ele estava. Então, é claro, eu achei aquilo emocionante", ela afirmou mais tarde.

Quando seu filho nasceu, ela foi forçada a deixá-lo com uma família adotiva. Desolada, tentou ganhar a vida em Estocolmo como estenógrafa e foi só em 1931, quando se casou, que finalmente conseguiu ter de volta a guarda dele.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Lindgren trabalhou na censura do correio para o neutro governo sueco. Era, segundo ela, um trabalho "sujo", mas à luz otimista do tempo de paz. Quando sua filha (nascida em 1934) estava de cama com pneumonia, a autora inventou um contraponto alegremente desafiador ao fascismo.

Pippi é subversiva e de espírito livre, uma garota que quebra os padrões. Ela também é solitária e fica difícil acreditar que a personagem teria sido a mesma se o início da vida adulta de Lindgren não tivesse sido tão tumultuado.

Feminismo na ficção infanto-juvenil

Lindgren escreveu muitos outros livros, roteiros e ensaios, aparecendo regularmente na mídia e, finalmente, se tornando uma marca global. No entanto, é Pippi que a faz ser lembrada até hoje. Desde que a primeira parte das aventuras da personagem foi lançada, em 1945, o livro nunca deixou de ser publicado e permanece internacionalmente amado.

Hoje em dia, a literatura infantil é muito malfeita no que diz respeito a personagens femininos.

Alguém se lembra daquele vídeo que a equipe de Histórias de Ninar para Garotas Rebeldes lançou? Com o título "Se você tem uma filha, você precisa ver isso", ele chamava a atenção para o preconceito de gênero mostrando uma mãe e filha removendo de uma estante todos os livros que não tinham personagens masculinos (três), todos os livros sem nenhuma mulher personagem (141) e aqueles nos quais as personagens femininas eram princesas - deixando a prateleira quase nua.

Editado da matéria de Hephibah Anderson para a BBC.com  em 30 de novembrro de 2018














Comentários

  1. Agradeço o tempo e o esforço que você investe. Suas postagens informativas valem ouro.

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