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Amor de Mãe, Natascha Duarte

      O barulho vem do alto. Mais ou menos na mesma hora e de madrugada. Meu lado da cama. O medo é que caia em cima da minha cabeça. Buf. Tic. Tic. Tic. Rum. Parece respiração. Parece passo de gente. Parece ladrão. Amoooor, o que será que tem em cima da casa? Você precisa tomar uma providência senão vou enfartar de susto e de medo. Uma outra vez foi uma maritaca que fez ninho, colocou seus ovos e os chocou até ficarem livres para voar. Novamente barulho e para meu terror não parece a maritaca. Sobe, marido, sobe, sobe. Ele subiu no telhado. Um par de olhos atentos o enfrentou com atitude incondicional quando a telha foi removida com pressa e sem zelo. Qualquer coisa marido saía correndo de lá. Fosse um bichão eu podia ajudar de baixo gritando por socorro enquanto segurava a escada para ele não cair. Homem também tem medo de bicho. Mas o bicho não teve medo de nós. Didelphis é o nome científico do gambá que encontramos no teto. Fêmea certamente. Ela nos recebeu com bondade, inteira impactada por alguma razão e imóvel, concentrada e entregue, enrolada e quieta, orelhinhas maiores que ela mesma. Acolhia com o próprio corpo uns pelinhos brancos no meio da barriguinha como se agasalhasse um filho. A barriga protegia uma vida? Está para parir ou parida? Justo na semana das mães ela é perfeita vestida com a força de seu compromisso como que dizendo “eu era sozinha de mim e agora não mais”. Fique, prometo não me assustar com seus barulhos cheios de irreverência madrugada afora. É quando você sai para se alimentar, não é? Como seu lugarzinho estava limpo e organizado, nada de xixi, nada de mau cheiro ou fezes, ao contrário, umas folhinhas secas que você colocou para afofar o ninho. Uma mãe quando é uma mãe a gente olha nos olhos e os seus não saem de dentro de mim. Passado um dia e a conhecendo somente pela fotografia que meu marido tirou já és minha amiga, mulher! Você desça dai apenas quando preparada para voltar à natureza. Nada de mal vai acontecer.


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