Hoje, podemos identificar dois novos grandes desafios:
1) A imensa distância entre os muito pobres e os muito ricos, distância que não para de crescer. Esta é uma novidade dos séculos XX e XXI. Os muito pobres, no mundo de hoje, ganham meros dois dólares por dia. Não podemos deixar a distância aumentar ainda mais. Só esta constatação já deve motivar um engajamento.
2) Os direitos humanos e o estado do planeta. Tive a sorte, após a Libertação, de me engajar no grupo que redigiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Organização da Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, em Paris, no Palais Chaillot. Na condição de chefe de gabinete de Henri Laugier, secretário-adjunto da ONU e secretário da Comissão dos Direitos Humanos, fui, com outros, chamado a participar da redação deste documento. Eu não poderia esquecer, em sua elaboração, o papel de René Cassin, comissário nacional para justiça e a Educação do governo da França Livre, em Londres em 1941 - ele seria Prêmio Nobel da paz em 1968. Nem do de Pierre Mendès-France no seio do Conselho Econômico e Social, a quem submetíamos os textos elaborados antes que fossem examinados pela Terceira Comissão da Assembleia Geral, encarregada das questões sociais, humanitárias e culturais. Essa comissão contava, na época, com os 54 Estados membros das Nações Unidas, e eu era seu secretário. Deve-se a René Cassin o termo direitos "universais", e não internacionais, como foi proposto por nossos amigos anglo-saxões. Pois aí estava o objetivo, ao sair da Segunda Guerra Mundial: emancipar-se das ameaças que o totalitarismo fazia pesar sobre a humanidade. Para nos emanciparmos, precisávamos conseguir que os Estados membros da ONU se comprometessem a respeitar esses direitos universais. Era uma forma de levar ao aborto o argumento de plea soberania que um Estado pode prevalecer enquanto comete crimes contra a humanidade em seu próprio solo. Foi o caso de Hitler, que se julgava dono em sua casa e autorizado a provocar um genocídio. Esta declaração universal deve muito à revulsão universal relativa ao nazismo, ao fascismo, ao totalitarismo e, mesmo, por nossa presença, ao espírito de Resistência.
Eu sentia que precisávamos nos apressar, não nos deixar iludir pela hipocrisia existente na adesão proclamada a esses valores pelos que tinham vencido, nem todos com intenção de lealmente promovê-los, mas tentávamos impor-lhes isso.
Não resisto ao impulso de citar os artigos 15 da Declaração Universal dos Direitos Humanos: "Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade"; e o 22: "Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social e à realização, pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos da cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade". E, se esta declaração tem um alcance declaratório e não jurídico, nada a impediu de ter um papel poderoso a partir de 1948; os povos colonizados a utilizaram em sua luta pela independência; ela germinou nos espíritos nos espíritos, em seu combate pela liberdade.
É com prazer que costato que ao longo das últimas décadas se multiplicaram as organizações não governamentais, os movimentos sociais, como a Attac ( Associação para Taxação das Transações Financeiras) , a FIDH (Federação Internacional dos Direitos do Homem), e a Amnesty, que são atuantes e apresentam resultados notáveis. É evidente que, para ser eficiente hoje, é necessário atuar em rede, aproveitar todos os meios de comunicação modernos.
Aos jovens eu digo: olhem à sua volta e vocês encontrarão os temas que justificam a sua indignação - o tratamento dado aos imigrantes, aos sem documentos, aos ciganos. Vocês encontrarão situações concretas que levarão a praticar ações cidadãs fortes. Procurem, e encontrarão!
Indignai-vos! Stéphan Hessel trad. Marli Pers - São Paulo, Leya 2011
Págs,21-25
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