Pular para o conteúdo principal

A Mentira e O Mentiroso, Jorge Humberto


     A mentira é filha da inverdade. Encanta subtilmente quem faz uso dela e enfeitiça as suas vítimas. Vai até às últimas consequências para conseguir o que quer. E normalmente consegue o que almeja, à custa da falsidade. Conta histórias falsas com uma facilidade assustadora e uma abstracção própria da ilusão. A mentira é aquilo que engana ou ilude, de forma propositada e pensada. Há quem viva as suas vidas sobre a égide da mentira e só assim se sentem vivos e “úteis”. A mentira mente com quantos dentes tem na boca, prega petas aos incautos e desenganados desta vida.


A mentira é o acto de mentir como quem fala a verdade e é um engano propositado. O mentiroso planeia cada acto infame ao mínimo destaque, para conseguir levar de vencida, os seus intentos. O mentiroso não tem vergonha na cara e faz disso um modo de sobrevivência mental. O seu modo de pensar é totalmente desvirtuado e consegue enganar o próprio mentiroso, de tão incumbido e “distraído”, que está com os seus estratagemas falsos. O mentiroso é o mais natural possível e encena a mentira, vezes sem conta, antes de a usar para seu intento e propósito.

A tomada de decisão é deliberada para alcançar aquilo que o mentiroso pretende. A mentira tem como finalidade atingir os seus fins seja como for e de que maneira for sem pôr em causa o mentiroso futuramente. A mentira é uma cegueira e uma oportunidade desleal, de se obter fins lucrativos sem grandes esforços, basta fazer uso da pouca-vergonha e da inteligência, do qual o mentiroso usufrui. A mentira é uma resolução bem pensada e preparada, ao pormenor. Há quem viva da mentira, como se isso fosse um emprego, das nove da manhã às cinco da tarde. O mentiroso não precisa de picar o ponto, mas está sempre activo.

O mentiroso é discreto e não fala de sua vida, nem aos amigos, a esses mente descaradamente sem se importar muito com isso, pois faz parte de sua essência. A mentira usa do bom senso para executar na perfeição aquilo que planejou ao milímetro. Não se arrisca a nada, se consegue antecipar que algo vai dar mal, ante o que planeou repetidamente. A mentira é aparente e falsa cortejando de antemão e antecipadamente a sua presa, que só se apercebe do engano depois de este ter acontecido, quase sempre com resultados positivos, para o mentiroso. A mentira é canalha e não sofre de sentimentos de culpa.

O mentiroso alcança a sua ascensão quantos mais anos conseguir sobreviver da mentira, sem ser apanhado pelas autoridades policiais. O mentiroso é auspicioso e promissor, quando executa bem a sua “arte”. Dissimulada a mentira atrai as pessoas para si, de um modo natural e pertinente. Veste-se bem e tem sempre um sorriso anuente, para se aproximar da pessoa, oferecida ao sacrifício. O mentiroso é intelectual e tem um gosto predominante pelas coisas do espírito. Faz de sua vida um ritual, que segue à risca, sem se desviar da “sorte”, que o acompanha religiosamente.

Fonte: Luso-poemas
Imagem: El País

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di...

Mãe É Quem Fica, Bruna Estrela

           Mãe é quem fica. Depois que todos vão. Depois que a luz apaga. Depois que todos dormem. Mãe fica.      Às vezes não fica em presença física. Mas mãe sempre fica. Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver. Uma parte sempre fica.      Fica neles. Se eles comeram. Se dormiram na hora certa. Se brincaram como deveriam. Se a professora da escola é gentil. Se o amiguinho parou de bater. Se o pai lembrou de dar o remédio.      Mãe fica. Fica entalada no escorregador do espaço kids, pra brincar com a cria. Fica espremida no canto da cama de madrugada pra se certificar que a tosse melhorou. Fica com o resto da comida do filho, pra não perder mais tempo cozinhando.      É quando a gente fica que nasce a mãe. Na presença inteira. No olhar atento. Nos braços que embalam. No colo que acolhe.      Mãe é quem fica...

Vamos pensar? (18)

Será que às vezes o melhor não é se deixar molhar?