Andam dizendo que uma imagem vale mais do que mil palavras. É uma frase de efeito, com ar de modernidade. As pessoas acreditam, até repetem. Mas não é verdade. Os próprios cultores da imagem tiveram que cunhar uma frase para louvá-la, talvez por achar difícil criar uma imagem que dissesse a mesma coisa, com a mesma clareza. Felizmente, o mundo está cheio de pessoas que amam as palavras e que se encantam com elas.
E agora vou plantar aqui uma palavra que é um nome: Medellín. E sei que na cabeça de todo mundo essa palavra evoca várias outras: drogas, tráfico, cartel, violência. À distância, essas parecem ser as únicas palavras daquela cidade. Não são. Medelín - eu estive lá e sei - é uma cidade que ama especialmente as palavras.
Ali acontece todo ano um festival de poesia surpreendente, que ocorre em escolas, teatros, igrejas, praças, tudo ao mesmo tempo, e tudo lotado. ali atuava, quando lá estive, um grupo chamado Ratos de Biblioteca, de estímulo à leitura. E dali me chega agora um encantador livro de palavras chamado Casa das Estrelas.
Claro, todo livro é de palavras. Mas este, como explica seu autor Javier Naranjo, surgiu como um jogo em que crianças do primário eram convidadas a dar o significado de algumas palavras. As palavras eram freqüentemente escolhidas pelas próprias crianças. E o "jogo", que era muito sério, durou vários anos. Ao fim, foi feita uma seleção corrigindo-se apenas a ortografia. E do resultado final, transcrevo aqui algumas frases, agradecendo a Naranjo e às crianças.
Adulto: Pessoa que toda vez que fala, primeiro é dela. (Andrés Bedoya, 8 anos)
Água:Líquido que não se pode beber. ( Nelsón Ramírez, 7 anos)
Amor: É o que cada coração junta para dar a alguém. (Lina Maria Murillo, 10 anos)
Amor:Conseguir uma namorada aqui e outra na minha casa, e quero que a minha mãe emagreça porque está muito gorda. (Orlando Vásquez, 6 anos)
Ausência: É que eu vou morrer. (Yorlady Rave, 8 anos)
Assassinato:Tirar o melhor da pessoa. (Juan Restrepo, 9 anos)
Deus: É o amor com cabelo comprido e poderes. (Ana Milena Hurtado, 5 anos)
Deus: É uma pessoa em que cravam cravos. É jovem. (Sebastián Uribe, 5 anos)
Dinheiro: É o fruto do trabalho mas há casos especiais. (Pepino Nates, 11 anos)
Eternidade: É quando numa casa todos os filhos casa, não se põe música, não tem confusão. Essa casa parece uma eternidade. (Blanca Henao, 10 anos)
Lar: O lar é alguma coisa que de repente se separa. (Juliana Escobar, 10 anos)
Igreja: Onde se vai para perdoar Deus. (Natalia Bueno, 7 anos)
Imortalidade: A imortalidade é muito dura. (Yamile Gavira, 7 anos)
Lembrança: É uma coisa de pequeno a grande. (Fabián Loiza, 12 anos)
Mãe: Minha mãe cuida muito de mim, gosta muito de mim, me dá comida quando não quero. (Camila Gomez, 7 anos)
Mãe: A mãe é a pele da gente. (Ana Milena Hurtado, 5 anos)
Medo: é que a minha mãe dirige um carro e uns senhores do viaduto não podem comer e quebram o vidro do carro e matam ela e matam meu pai e eu vivo sozinho. (Orlando Vásquez, 6 anos)
Morto: Ser humano insensível. (David Casadiego, 10 anos)
Nada: É quando pergunto a alguém se viu alguma coisa. (Juan Osorio, 8 anos)
Nascer: É um momento que temos quando somos pequenos. (Wilson Taborda, 11 anos)
Criança: É um humano, são más às vezes, são boas às vezes, choram, gritam, brincam, bigam, tomam banho; às vezes não tomam banho, se metem na piscina e crescem. (Natália Calderón, 6 anos)
Religião: É uma coisa muito importante para Deus. (Walter Arias, 10 anos)
Sombra: É o sol e a gente põe a mão. (Weimar Ramón, 7 anos)
Tranqüilidade: Por exemplo, que o pai diga que vai bater e depois diga que não vai mais. (Blanca Helao, 10 anos)
In: COLASANTI, Marina. A casa das Palavras. Rio de Janeiro:Ed.Ática, 2001. p.37-39
Nota: o blog manteve a grafia original.
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