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Nordestinos em São Paulo, Aluízio Falcão.

     
Leio uma publicação da ECA/USP com várias reportagens escritas por estudantes de jornalismo. O tema é a saga dos migrantes. Há depoimentos de intelectuais nordestinos residentes em São Paulo, mas principalmente daqueles anônimos viventes de periferia. Comove-me o testemunho de uma senhora que migrou em companhia da filha. Contando a estória, diz essa mãe-coragem que a sua menina, diante da miséria reinante no cafundó natal, assim propôs a retirada: "Mãe, vamos pra São Paulo, vamos lutar na vida". Não me lembro, em prosa brasileira, de registro mais bonito para o verbo lutar.
     A onda migratória para os grandes centros tem vários intérpretes: antropólogos, sociólogos, romancistas, e até um vereador chamado Bruno Feder, autor daquele famigerado projeto que simplesmente proibia a entrada de nordestino em São Paulo. Muito já se analisou e escreveu, para o bem e para o mal, sobre os personagens desta humilhante diáspora. Nenhum intérprete do fenômeno, porém, saiu-se melhor do que Chico Buarque: "Eletrizados, cruzam os céus do Brasil/ Na Rodoviária, assumem formas mil/ São faxineiros, balançam nas construções/São bilheteiros, baleiros, garçons..."
     A classe média feroz, que inspirou o projeto Feder, ignora Chico Buarque, prefere trilha de novelas. E atribui aos migrantes as piores mazelas urbanas, incluindo a violência. Grosseira inverdade.  Os indicadores divulgados mostram que a maioria da população carcerária nasceu em São Paulo. Os nordestinos predominam mesmo é no trampo da construção civil.
  Cidadãos laboriosos, vindo de oito Estados brasileiros, aqui são chamados indistintamente de "baianos", valendo a designação para tudo que é brega e mal acabado. Ofensas ditas cara a cara, sem metáforas, juntam-se às violentas privações do cotidiano, e no entanto eles não protestam. São muito calados esses migrantes, a menos que o Corinthians vença. Aí seu grito de guerra traduz não somente a paixão pelo clube, mas também um desafio das muitas dores curtidas no silêncio das favelas.
     A toda hora estamos a escutar as vozes do preconceito. Certo domingo no parque eu estava caminhando com a minha mulher quando outro casal, representativo dessa parcela raivosa da comunidade, passou por nós, xingando nordestinos que estavam fazendo algazarra na pista de correr. "São os conterrâneos dela...", rosnou o homem, referindo-se à então prefeita Erundina de Souza, na época uma espécie de Geny, por ter nascido na Paraíba e vencido eleição em São Paulo. O tipo que hostilizava, bem vestido e arrogante,continuou falando. Felizmente marchava acelerado, e logo deixei de ouví-lo. Mas as minhas pragas o acompanharam para sempre. Cultivo apenas uma intolerância: é a intolerância contra a intolerância.

FALCÃO, Aluízio. Crônicas da Vida Boêmia, 1ed.São Paulo: Ateliê Editorial, 1998, p.200-202.

Ainda sobre preconceito, minha filha sugeriu uma matéria bastante interessante porque nos obriga a pensar sobre "identidade". Enclausurar alguém numa identidade e discriminação. Vamos pensar sobre isso?

Sugestão de leitura:
Há mais filho de baiano que paulistano. (Janeiro de 2000)
Viva São Paulo! a maior cidade nordestina do Brasil (Novembro de 2013) 

Nota: a postagem da crônica foi gentilmente autorizada pelo autor. Imagem: www.jornalsp360.wordpress.com

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