A pergunta pega Cinira desprevenida. Antes que possa retrucar, ela nota o dicionário na
mão do filho, que completa o pedido:
- E um ósculo também.
Ainda
surpresa, a mulher procura no livro a definição das duas estranhas
palavras. E encontra. Mateus quer apenas um abraço e um beijo.
Conversa vai, conversa vem, Cinira finalmente se dá conta de que o
garoto, recém-apresentado às classes gramaticais nas aulas de Português,
brinca com os sinônimos. "O que vai ser de mim quando esse tiquinho de
gente cismar com parônimos, homônimos, heterônimos e pseudônimos?",
pensa ela, misturando as estações. "Valha-me, Santo Antônimo!" E emenda:
- Pára com essa bobagem, menino!
- Ah, mãe, o que é que tem? Você nunca chamou cachorro de cão? E casa de residência? E carro de automóvel?
- É verdade, mas...
Mas a verdade é que Cinira não tem uma boa resposta.
- E meu nome é Mateus - continua o rapaz. - Só que você me chama de Matusquela.
- Ei, isso não vale. Matusquela é apelido carinhoso.
- Sei, sei. Tudo bem se eu usar nosocômio e cogitabundo em vez de hospital e pensativo?
E criptobrânquio no lugar de mutabílio?
- Mutabílio? O que é que é isso?
- O mesmo que derotremado, ora. Tá aqui no Aurélio.
Está mesmo. É um bichinho. Mas pouco importa. A mãe questiona a opção
do menino por vocábulos incomuns. Mateus sai-se com esta:
- A
professora disse que aprender palavras é como ganhar roupas e guardar
numa gaveta. Quando a gente precisa delas, tira de lá e usa. Cada uma
serve para uma ocasião, por mais esquisita que pareça. Igual à
querê-querê roxa que você me deu no último aniversário. Lembra?
Como esquecer? Cinira nem se dá ao trabalho de consultar o dicionário.
Sabe que a explicação para essa última provocação está no verbete
camiseta.
Marcelo Alencar, autor deste conto, já trabalhou como cartunista e editor de
histórias em quadrinhos. Jornalista, é editor de NOVA ESCOLA
histórias em quadrinhos. Jornalista, é editor de NOVA ESCOLA
Imagem: www.pt.depositphotos.com
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