Era uma vez um rei chamado Massad, que governava um
país extenso e cheio de fartura. Esse rei tinha apenas um filho, chamado
Anuar, um príncipe virtuoso e de bom coração.
Quando Massad morreu, Anuar o sucedeu no trono,
governando, desde o início, com sabedoria e justiça. E o
povo, que já o estimava sinceramente, passou a amá-lo e respeitá-lo ainda mais.
Um único problema, entretanto, afligia
Anuar: passado o período de um ano, que se guardava como luto pela morte do rei
anterior, as leis do país exigiam que o novo rei se casasse tantas vezes
quantas fossem necessárias, até que tivesse um filho para ser o futuro
soberano. Mas Anuar não gostava de nenhuma mulher, nem acreditava que pudesse
amar uma pessoa.
Os conselheiros da coroa, com medo de que Anuar perdesse
o trono, começaram a procurar-lhe pretendentes entre as princesas de outros
países. Viviam a enaltecer a beleza e as virtudes dessas moças, mas o rei nem
sequer ouvia as descrições que eles faziam.
Anuar tinha o hábito de todos os dias passear incógnito
pelas terras do reino, para poder conversar com os súditos e saber quais eram
suas reais necessidades. Um dia, quando dava um de seus passeios
habituais, chegou às margens de um rio, onde avistou, sentada à sombra de uma
árvore frondosa, uma jovem de radiante formosura.
Ao
vê-la, o coração de Anuar começou a bater
mais forte, e ele imediatamente descobriu que, pela primeira vez na vida,
estava apaixonado. Tentando disfarçar a emoção, dirigiu-se à jovem e, depois de
revelar sua Verdadeira identidade, pediu-a em casamento. O rosto da moça, que
estava melancólico se abriu num sorriso. Afinal, ela tinha se sentado ali
justamente para pensar no amor que sentia pelo rei e que julgava nunca poder
ser correspondido. Assim, aceitou o pedido sem pensar duas vezes.
A
futura rainha, entretanto, deveria ser apresentada à corte condignamente
vestida e acompanhada por um cortejo cheio de pompa. Assim, Anuar pediu à noiva
que subisse na árvore e se escondesse entre os galhos, enquanto ele iria até a
cidade para providenciar tudo. Recomendou-lhe que não falasse com ninguém nem
desse sinal de vida durante sua ausência, pois tinha receio de que a roubassem.
A moça atendeu prontamente ao pedido e subiu na
árvore para esperar o noivo. Algum tempo depois, viu se aproximar uma escrava
muito feia, conhecida como a Moura Torta, que vinha buscar água para os patrões.
Tinha as pernas tortas e caminhava com dificuldade, carregando um pote de
barro sobre a cabeça.
Cansada,
a Moura Torta sentou-se bem no lugar onde a jovem tinha sido encontrada pelo
rei, e começou a pensar na vida.
Obedecendo aos conselhos do
rei, a jovem não fez nenhum ruído para que a escrava não desse
pela sua presença. Entretanto, quando a Moura Torta se curvou sobre o rio para encher o
pote, viu refletida nas águas tranquilas a imagem formosa da noiva do rei. E,
como não sabia que a moça estava ali, achou que aquela imagem fosse a sua
própria.
— Que desaforo! — disse ela, então. — Uma moça tão
linda como eu fazendo um trabalho pesado desse jeito!
E,
num acesso de raiva, jogou o pote de barro no chão, fazendo-o em mil pedaços.
Depois foi-se embora.
A jovem, do alto da
árvore, precisou segurar o riso para não ser descoberta.
Ao chegar em casa, a Moura Torta disse aos patrões que havia levado um tombo e quebrado
o pote de barro pelo caminho. Deram--lhe então um barril de madeira, que não se
quebrava tão facilmente, e a mandaram outra vez buscar água.
Mas, quando se abaixou para encher o
barril, a escrava viu novamente a imagem da linda moça refletida na água.
Acreditando de novo que aquela era a sua própria imagem, exclamou com raiva:
— Isso não pode
ser! Uma jovem deslumbrante como eu servindo de escrava para os outros!
E, louca de ódio, jogou o barril contra as pedras,
espatifando-o.
Desta vez, a noiva do rei teve mais dificuldade em
segurar o riso, e precisou colocar um lenço junto à boca para não explodir
numa gargalhada.
Mais uma vez a Moura Torta voltou para
casa e mentiu aos patrões, dizendo que havia escorregado de novo e que o barril
havia se espatifado no chão. Deram-lhe então um caldeirão de ferro e a
mandaram buscar água.
Dali a pouco ela chegava ao rio e se debruçava
sobre as águas para encher o caldeirão. Mas lá estava novamente a bela imagem
refletida, e a escrava, sem se conter, gritou:
— Não, não e não! Decididamente sou bela demais para fazer este trabalho!
E, tomada de um acesso de fúria, começou
a atirar o caldeirão contra as pedras que havia na margem do rio, tentando
quebrá-lo. Como não conseguia, foi ficando cada vez mais irritada, aumentando
sua feiúra com caretas e gestos desesperados. Até que a jovem, que a tudo
assistia, não resistiu mais e soltou uma gostosa gargalhada.
A Moura Torta, assustada, olhou então para o alto
da árvore e avistou a noiva do rei.
— Ah, então é você, sua malandra! — ela
gritou. — É você quem está fazendo com que eu quebre minhas vasilhas?!
E, para susto da
moça, começou a subir na árvore. Mas, chegando ao galho onde estava sentada,
não lhe fez nada. Falou de sua vida, da tristeza de ser escrava,
até conseguir conquistar-lhe a simpatia. Depois, começou a afagar-lhe os
cabelos, elogiando-lhe a beleza. Quando a moça estava distraída, a Moura Torta,
que entendia de bruxarias, tirou do bolso um alfinete encantado e, sem que a
jovem percebesse, espetou-lhe com força na cabeça. Imediatamente a linda noiva
do rei se transformou numa pombinha, que saiu voando dali.
Horas depois o rei chegava, acompanhado por
numeroso cortejo, com soldados, criados e todos os nobres da corte. Na
frente, vinha uma banda de música para abrir passagem. O reino estava em festa
com a notícia de que o rei iria se casar.
Qual
não foi a decepção de Anuar, porém, ao encontrar, em vez da belíssima jovem
que havia escolhido para esposa, a escrava feia e de pernas tortas a esperá-lo
na copa da árvore!
— Mas
o que aconteceu? — ele perguntou, surpreso.
— Oh, Majestade! — disse a Moura Torta.
— Foram tantas horas de espera, debaixo de sol e de vento, que minha pele
sensível não resistiu!
Anuar ficou completamente desorientado
com aquilo, mas não suspeitou de nada. E, como já havia prometido casamento a
moça e comunicado ao reino todo sua decisão, não podia voltar atrás. Assim,
prosseguiu com a festa e casou-se com aquela mulher horrorosa.
Um dia depois do casamento, quando o jardineiro do
palácio começou a trabalhar, viu pousar numa planta uma linda pombinha, que
começou a cantar: Ó bondoso jardineiro, se não se
importa, me diga como passa o rei com sua Moura Torta!E o jardineiro
respondeu:
Come bem e passa bem, passa vida regalada, tão serena e sossegada, como
no mundo ninguém!A pombinha, tristemente, cantou: Ai, pobres de nós, pombinhas, que
só comemos pedrinhas!E depois saiu voando, desaparecendo do jardim. O
jardineiro, espantado, foi correndo comunicar ao rei o que acabava de ver e
ouvir. Curioso, Anuar lhe ordenou que tentasse agarrar aquela ave fantástica
de qualquer forma.
No dia seguinte, à mesma hora, lá estava de novo a
pombinha, pousada na mesma planta, cantando:O bondoso jardineiro, se não se
importa, me diga como passa o rei com sua Moura Torta!
E o jardineiro
novamente respondeu:
Come bem e passa bem, passa vida regalada, tão serena e sossegada, como no mundo ninguém!E a pombinha tornou a cantar:Ai, pobres de nós, pombínhas, que só comemos pedrinhas!Mas desta vez, antes que ela se fosse, o jardineiro ofereceu-lhe um laço de barbante, dizendo:
Come bem e passa bem, passa vida regalada, tão serena e sossegada, como no mundo ninguém!E a pombinha tornou a cantar:Ai, pobres de nós, pombínhas, que só comemos pedrinhas!Mas desta vez, antes que ela se fosse, o jardineiro ofereceu-lhe um laço de barbante, dizendo:
— Ponha
o pé aqui, linda pombinha!
— Não — ela respondeu. — Meus pés
não foram feitos para laços de barbante!
E depois voou, desaparecendo ao longe.
Novamente o jardineiro correu para contar ao rei
tudo o que havia visto e ouvido. Anuar, cada vez mais intrigado, ordenou-lhe
que oferecesse à pombinha um laço de prata.
No
dia seguinte, ela voltou a aparecer no jardim e, depois de fazer a pergunta de sempre e
de receber a mesma resposta do jardineiro, este ofereceu-lhe o laço de prata.
Mas a pombinha novamente
recusou, dizendo que aquilo era muito pouco para ela.
No quarto dia, o rei mandou oferecer-lhe um laço de
ouro, que também foi recusado. Só no quinto dia, quando lhe foi oferecido um
laço magnífico, todo cravejado de pérolas e diamantes, foi que a pombinha
aceitou que lhe prendessem o pé.
O jardineiro a levou então à presença
de Anuar, que ficou encantado com a delicadeza da ave e ainda mais porque ela
podia realmente falar.
Prepararam-lhe então uma gaiola deslumbrante e a
colocaram na sala do trono, onde todos os dias o rei passava horas e horas a
admirá-la e a alisar-lhe as penas.
Um dia, quando Anuar estava mais uma vez agradando
sua avezinha, começou a afagar-lhe delicadamente a cabeça até que, de repente,
passou os dedos pelo alfinete que ali estava espetado.
— Pobrezinha! — disse ele, ao ver do que se tratava.
— Quem pôde lhe fazer tamanha maldade?
E, penalizado, segurou-a com carinho, tirando, com
muita paciência, o alfinete da delicada cabecinha. No mesmo instante, viu
surgir à sua frente a linda jovem que havia encontrado às margens do rio.
A moça contou-lhe então tudo
o que havia acontecido naquele dia, enquanto esperava por ele
sentada nos galhos da árvore. E Anuar descobriu, horrorizado, que estava casado
com uma feiticeira má e invejosa. Anulou o casamento e, em seguida, casou-se
com a linda jovem.
Para a Moura Torta, reservou um castigo
impiedoso: mandou que a prendessem em um barril cheio de canivetes espetados,
de fora para dentro, com as lâminas abertas. Depois, que a jogassem montanha
abaixo, para que rolasse pela ladeira. A Moura Torta já não vivia quando
chegou ao pé da montanha. Estava toda estraçalhada.
O rei Anuar e a esposa viveram anos e anos, sempre
rodeados de felicidade.
In: Histórias da Carochinha, Ed.Ática
Acessível em: http://www.consciencia.org/a-moura-torta-contos-de-fada-infantis
Comentários
Postar um comentário
comentários ofensivos/ vocabulário de baixo calão/ propagandas não são aprovados.