Pular para o conteúdo principal

A Dança da Sombra Na Parede, Olegário Mariano

A sombra dança na parede do quarto.
Não é minha. Não tem meus gestos nem meus cabelos,
Não tem a imobilidade das coisas mortas,
Mas tem o instinto dos seres vivos.
Abre os braços e chama alguém para junto dela.
Este alguém, de olhos velhos e de rosto sulcado,
Conserva-se imóvel olhando os seus gestos,
Conserva-se imóvel sentindo nos braços
O cheiro de rosas que ficou na pele,
Que ficou no corpo, que ficou na boca,
O gosto de sangue na língua ferida
Que a a sombra deixou antes de ser sombra,
Quando era, na alvura dos lençóis de linho,
Um corpo moreno de gestos elásticos,
De boca sangrando, de pernas nervosas,
De pele cheirosa nos lençóis de linho.
Agora este cheiro, este medo, esta agonia
E estes braços de louco querendo arrancar
A sombra que dança na parede vazia...

(Em: Mundo Encantado, ano:1955- que está incluído no 2º vol. de Toda Uma Vida de Poesia da  Ed. José Olímpio, ano:1957)



Leia também: O Poço da Panela,  de Olegário Mariano, versão completa e na grafia original clicando aqui


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di...

Vamos pensar? (18)

Será que às vezes o melhor não é se deixar molhar?  

Vamos Pensar? (10)