Pular para o conteúdo principal

Pais Que Fazem a Diferença

Famílias oferecem apoio para garotos pobres se superarem na escola e dão a fórmula de uma parceria de sucesso para ser reproduzida em toda a cidade

     A repetida cena de seu Israel Severino da Silva, de 44 anos, chegando de bicicleta na Escola Estadual Padre Dehon (bairro da Iputinga), transpirando ao final de um dia de labuta, marcou os professores dos filhos dele,Beatriz e Evandro, de 13 e 14 anos, sintetiza um pai presente, que se desdobra para evitar que os meninos entrem no caminho sem volta das drogas e da criminalidade e consigam um bom nível de instrução. Hoje fazendo bicos como jardineiro, Israel mantém o hábito com satisfação. "Para mim, não tem essa de idade. Sigo os dois até a escola, vejo com quem conversam, oriento como se portar com os colegas e insisto em lembrar que não tenho serviço fixo porque estudei pouco", afirma. A figura do pai, cobrando esforços e incentivando-os, foi determinante para Beatriz e Evandro serem alunos elogiáveis e cidadãos promissores.
     Do outro lado do Recife, no Cabanga, o apoio oferecido e o merecido crédito devem ser dados a Margô de Oliveira, mãe dos gêmeos Evandro e Ívano Silva (15 anos). A participação da família nas conquistas de alunos residentes em áreas de alta vulnerabilidade social é o tema do terceiro dia da série de reportagens Meninos-Heróis, que começou domingo e será encerrada amanhã. Beatriz, Ívano e os dois Evandros vêm destruindo as barreiras da pobreza e do crime com o heroísmo de recifenses vitoriosos. Estão entre inúmeros garotos do Alto do Céu (Iputinga), das comunidades do Detran (no mesmo bairro), do Cabanga (em Boa Viagem) e do Recife, que constroem uma história diferente das previstas pelos roteiros pré-escritos para eles.
     No caso da Iputinga, um dos bairros mais violentos da cidade e no qual moram os filhos de seu Israel, crianças e jovens são consideradas muito suscetíveis à criminalidade porque os problemas de segurança têm crescido na última década. É a conclusão de técnicos do Observatório da Violência da Prefeitura do Recife. Para se ter uma ideia da situação do entorno de onde moram Beatriz e Evandro: a maioria dos estudantes fica dividida por grupos - os da comunidade do Caiara estão concentrados na Escola Joaquim Xavier de Brito; os do Detran e do Alto do Céu, no Padre Deon. "Muitas vezes, uns não aceitam os outros", explica Abenilzo Dantas, diretor da Joaquim Xavier - espécie de segundo pai de alguns alunos e atento observador do quadro de violência do bairro. "Já ouvimos falar de cobrança de pedágio para passar por uma ponte, de estupros às meninas e de muitas mortes de jovens conhecidos", lamenta.
     É com dificuldade que Beatriz e Evandro caminham ao largo desse quadro, apesar de morarem numa residência simples do Alto do Céu. "Meu pai sempre esteve conosco recomendando que a gente estudasse. Quando pequenos, a gente sentava no bagageiro na bicicleta, e ele ajudava com as tarefas na mesa do terraço. Lembro tanto disso... Acho que a presença de meu pai fez a diferença", comenta Beatriz, aluna-destaque na última Olimpíada da Matemática. Israel cuida desde a limpeza dos sapatos com que eles vão à escola até o arquivamento dos livros antigos ("podem servir um dia"). Conta com a ajuda da mulher, Maria Aparecida.
Já na residência de Ívano e Evandro no Cabanga, Margô dedica-se a manter os filhos na linha. Pelo seu comportamento, ganhou até um apelido dos colegas de futebol dos meninos: "Sargento". Evandro e Ívano acham graça, mas dizem não se incomodar. "A mãe vem muito aqui e faz tudo para que eles se superem cada dia. Esses alunos certamente são alguns dos poucos que daqui a 20 anos estarão vivos. Muitos desaparecem antes do fim do ciclo escolar", diz o professor Roberto Peixoto, da Joaquim Nabuco, onde estudam Ívano e Evandro. A vida de Margô, frise-se, é tão difícil quanto a da maioria das famílias de bairros pobres. Ela tem oito filhos, sete deles menor de idade e conta apenas com a renda do marido, mecânico da Compesa.
Israel, pai dos meninos da Iputinga; e Margô, do Cabanga, são pais-heróis e parceiros do sucesso dos filhos.


Matéria do Diário de Pernambuco de: Sílvia Bessa em 13/10/2009
Foto de:Alcione Ferreira

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di

Mãe É Quem Fica, Bruna Estrela

           Mãe é quem fica. Depois que todos vão. Depois que a luz apaga. Depois que todos dormem. Mãe fica.      Às vezes não fica em presença física. Mas mãe sempre fica. Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver. Uma parte sempre fica.      Fica neles. Se eles comeram. Se dormiram na hora certa. Se brincaram como deveriam. Se a professora da escola é gentil. Se o amiguinho parou de bater. Se o pai lembrou de dar o remédio.      Mãe fica. Fica entalada no escorregador do espaço kids, pra brincar com a cria. Fica espremida no canto da cama de madrugada pra se certificar que a tosse melhorou. Fica com o resto da comida do filho, pra não perder mais tempo cozinhando.      É quando a gente fica que nasce a mãe. Na presença inteira. No olhar atento. Nos braços que embalam. No colo que acolhe.      Mãe é quem fica. Quando o chão some sob os pés. Quando todo mundo vai embora.      Quando as certezas se desfazem. Mãe

Aprenda a Chamar a Polícia, Luis Fernando Veríssimo

          Eu tenho o sono muito leve, e numa noite dessas notei que havia alguém andando sorrateiramente no quintal de casa. Levantei em silêncio e fiquei acompanhando os leves ruídos que vinham lá de fora, até ver uma silhueta passando pela janela do banheiro.                   Como minha casa era muito segura, com  grades nas janelas e trancas internas nas portas, não fiquei muito preocupado, mas era claro que eu não ia deixar um ladrão ali,espiando tranquilamente. Liguei baixinho para a polícia, informei a situação e o meu endereço. Perguntaram- me se o ladrão estava armado ou se já estava no interior da casa.            Esclareci que não e disseram-me que não havia nenhuma viatura por perto para ajudar, mas que iriam mandar alguém assim que fosse possível. Um minuto depois liguei de novo e disse com a voz calma: - Oi, eu liguei há pouco porque tinha alguém no meu quintal. Não precisa mais ter pressa. Eu já matei o ladrão com um tiro da escopeta calibre 12, que tenho guard