Vou buscar uma das estrelas que caiu do céu, esta noite. Ficou presa a um ramo de árvore, mas só ela brilha, único fruto luminoso do verão passado. Ponho-a num frasco, para não se oxidar; e vejo-a apagar-se, contra o vidro, à medida que o dia se aproxima, e o mundo desperta da noite. Não se pode guardar uma estrela. O seu lugar é no meio de constelações e nuvens, onde o sonho a protege. Por isso, tirei a estrela do frasco e meti-a no poema, onde voltou a brilhar, no meio de palavras, de versos, de imagens . Nuno Júdice (1949-2024), in "O Breve Sentimento do Eterno" Ilustração de Maoi
Suavemente Maio se insinua Por entre os véus de Abril, o mês cruel E lava o ar de anil, alegra a rua Alumbra os astros e aproxima o céu. Até a lua, a casta e branca lua Esquecido o pudor, baixa o dossel E em seu leito de plumas fica nua A destilar seu luminoso mel. Raia a aurora tão tímida e tão frágil Que através do seu corpo transparente Dir-se-ia poder-se ver o rosto Carregado de inveja e de presságio Dos irmãos Junho e Julho, friamente Preparando as catástrofes de Agosto... Ouro Preto, maio de 1967 Imagem: Pixabay