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O Amigo Xanha, crônica de José Paulo Cavalcanti Filho

Lisboa. Mais um se foi, Alberto Vinicius Melo do Nascimento (Xanha), em 11 de dezembro do ano passado. O enorme poeta Marcelo Mário Melo recomenda (no Manifesto da esquerda vicejante ) que “devemos lembrar nossos mortos, não pelas chagas de seus martírios, mas por seus jeitos de rir”. Assim seja. E conto agora uma história que fala nesse que partiu. Tem sua graça e vai estar no meu próximo livro ( Conversas de ½ Minuto ). Vamos a ela.      Na Ditadura 18 estudantes, que lutavam, ficaram presos e em greve de fome. Já 11 dias foram concluídos. Por cautela foram trazidos para o quartel da PM, no Derby, onde havia um hospital militar. Os médicos informaram que, até 12 dias, não haveria problemas para a saúde. Entre 12 e 18, provavelmente. A partir daí, com certeza. Era preciso encerrar a greve, na proteção dos próprios presos.      Fomos negociar com eles. Airton Soares, velho amigo e líder do PT na Câmara dos Deputados (pouco depois, ele e Beth Mendes foram e...
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Construção, poema de Mauro Mota

"Orgulho-me do meu curso de indigência." (De uma carta do poeta José Maria Cerqueira) Vem vindo José Maria, vem de São Bento do Una, vestido de roupa cáqui e de botinas reiúnas. No conselho da família, só encontra hierarquia do avô cabo de polícia. O pai na barbearia do povoado trabalha, mal completa o pagamento da prestação da navalha. Vem vindo José Maria, o amarelinho de São Bento do Una, sem genealogia. Vem montado no jumento. Saiu da escola. ( Não tinha nem livros nem fardamento. Aprendeu a ler sozinho.) Oh, que infância sem infância. essa de José Maria! Entrava na terra o casco do seu cavalo de pau, que o cabo da enxada era a escoiceante montaria. tirava leite das vacas, mas o leite não bebia. Os animais da fazenda, com que doçura tangia! Carregava areia e lenha com o gosto do engenheiro que uma obra construía. Foi bicheiro e negociante de passarinhos na feira. Vendeu frutas e roletas nas festas da Padroeira. Lavou frascos de botica, lavou os pratos do hotel, fez os ser...

Vamos Pensar? (23)

 

O Ex-futuro Padre e Sua Pré-viúva, conto de Mia Couto

       Era o Benjamim Katikeze. Desde pequeno ele se dedicara a ausências, paralelo ao céu. Os outros brincavam, festejando os ínfimos nadas da infância. Só o Benjamim definhava na catequese, entre santos e incenso. Mesmo os pais, que lhe queria composto e ordeiro, achavam que era por demasia.      - Vai brincar, Ben, Aproveita ser criança. Mas o Benjamim,inaudiente, se desmininava. O corpo mudara, idades além. As noites desfilavam e faziam-se côncavas para proveito de rapazes e raparigas. Só as mãos do mencionado se mantinham juntas, coladas, imaculadas. O Ben seguia mais alto que as almas.      Até que um dia apareceu Anabela, anabelíssima. Era uma rebuçada, capaz de publicar desejos nos mais pacatos olhos. Anabela apaixonou-se por Benjamim. O pobre nem com isso; ao contrário, mais ainda se internava em habilidades de kongolote. A menina enviou bilhetes, mensagens mais suspiradas que biscadas. Na presença dele, Anabela se desembrulhava...

Assim Começa a Leitura de Março no Clube Livro Errante

  E tinha muito mais: atônitos, descobrimos que nos arquivos federais em Berlim está guardado um documento antes secreto, com o título “Guayana-Projekt”, no qual o especialista em Amazônia e Untersturmführer da SS, Schulz-Kampfhenkel, recomenda explicitamente a invasão e a conquista da Guiana Francesa. Para ele, não era aceitável que a Inglaterra tivesse a Guiana, com sua capital Georgetown; que a Holanda fosse dona do Suriname; nem que os franceses possuíssem a Guiana Francesa, com sua capital Caiena, enquanto a Alemanha não tinha nenhuma base naquela região tão estratégica e rica em minerais. “A tomada das Guianas é uma questão de primeira importância por razões político-estratégicas e coloniais”, afirma ele. Em carta ao Reichsführer da SS, Heinrich Himmler, de 26 de abril 1940, Kampfhenkel dá ainda a receita para a fácil conquista daqueles territórios: a aliança com os indígenas e o aproveitamento das boas relações com o Brasil, cujo presidente, Getúlio Vargas, segundo ele, seri...

Faz Anos Navego No Incerto, poema de Caio Fernando Abreu

Faz anos navego o incerto. Não há roteiros nem portos. Os mares são de enganos e o prévio medo dos rochedos nos prende em falsas calmarias. As ilhas no horizonte, miragens verdes. Eu não queria nada além de olhar estrelas como quem nada sabe para trocar palavras, quem sabe um toque com o surdo camarote ao lado mas tenho medo do navio fantasma perdido em pontas sobre o tombadilho dou a face e forma a vultos embaçados. A lua cheia diminui a cada dia. Não há respostas. Queria só um amigo onde pudesse jogar o coração como uma âncora."

Vamos Pensar? (22)